A alienação fiduciária é uma modalidade de garantia muito utilizada em contratos de financiamento e aquisição de bens, especialmente imóveis e veículos.
Nessa modalidade, a propriedade do bem é transferida ao credor fiduciário (banco ou instituição financeira) até que a dívida seja integralmente quitada pelo devedor fiduciário, que permanece com a posse direta do bem.
Diante desse cenário, surge uma questão comum no âmbito jurídico: é possível penhorar bens alienados fiduciariamente em processos de execução?
A resposta depende de uma análise detalhada da legislação e da jurisprudência, considerando as características do contrato de alienação fiduciária e os direitos do credor fiduciário.
Guia Completo do Arrolamento de Bens no CPC
O que é alienação fiduciária?
A alienação fiduciária é um contrato no qual o devedor transfere ao credor a propriedade resolúvel de um bem como garantia de uma dívida.
Apesar de o credor ser o proprietário fiduciário do bem, o devedor (fiduciante) mantém a posse direta do bem e pode utilizá-lo.
Esse modelo é comum em financiamentos, pois oferece maior segurança ao credor, que pode reaver o bem em caso de inadimplência.
Após a quitação da dívida, a propriedade do bem retorna automaticamente ao devedor.
Base legal: A alienação fiduciária é regulamentada pela Lei nº 9.514/1997 (imóveis) e pelo Decreto-Lei nº 911/1969 (bens móveis).
A penhora em bens alienados fiduciariamente: é permitida?
De acordo com a legislação brasileira, bens alienados fiduciariamente não podem ser penhorados diretamente para satisfazer dívidas do devedor fiduciário.
Isso porque a propriedade do bem pertence ao credor fiduciário até a quitação total da dívida.
Contudo, há exceções importantes:
- Penhora de direitos aquisitivos: embora o bem em si não possa ser penhorado, os direitos aquisitivos do devedor fiduciário sobre o bem podem ser objeto de penhora.
Isso significa que o credor do processo de execução pode reivindicar o valor correspondente à parcela já quitada pelo devedor fiduciário.
Base legal: Art. 835, XII do CPC, que permite a penhora de direitos decorrentes de contratos.
Art. 835 do CPC. A penhora observará, preferencialmente, a seguinte ordem:
XII – direitos aquisitivos derivados de promessa de compra e venda e de alienação fiduciária em garantia;
- Bens que excedem o valor da dívida: em situações onde o valor do bem alienado excede o montante da dívida fiduciária, a diferença pode ser penhorada, desde que respeite o direito do credor fiduciário.
- Bens não vinculados à garantia fiduciária: se o bem alienado fiduciariamente não estiver vinculado à garantia de uma dívida específica, ele poderá ser penhorado em condições excepcionais.
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Alienação fiduciária: Dicas práticas para advogados
Analise o contrato de alienação fiduciária
Antes de propor ou contestar a penhora, verifique os termos do contrato de alienação fiduciária. Observe:
- Quem é o credor fiduciário.
- O saldo devedor e o percentual já quitado pelo devedor fiduciário.
- A eventual cessão de direitos aquisitivos.
Dica prática: Requeira cópias autenticadas do contrato no cartório ou na instituição financeira para verificar se há cláusulas que afetam a penhorabilidade do bem.
Solicite a penhora de direitos aquisitivos
Caso o bem em si não seja penhorável, solicite a penhora dos direitos aquisitivos do devedor fiduciário, indicando o valor correspondente às parcelas quitadas.
Dica prática: Peticione solicitando ofício à instituição financeira para determinar o saldo devedor e o valor dos direitos aquisitivos.
Atente-se aos limites de impenhorabilidade
Certifique-se de que o bem não está protegido por regras de impenhorabilidade, como no caso de imóveis utilizados como bem de família, nos termos da Lei 8.009/90.
Penhora de bens e alienação fiduciária: Relação prática
Embora o bem alienado fiduciariamente não seja, em regra, penhorável, a penhora de direitos aquisitivos é uma alternativa viável em execuções judiciais.
Além disso, a penhora de outros bens do devedor fiduciário que não estejam vinculados à garantia fiduciária pode ser uma estratégia complementar para a recuperação de créditos.
Exemplo prático: Em uma execução de dívida, um veículo financiado não pode ser penhorado diretamente, mas o percentual já pago pelo devedor fiduciário pode ser requerido por meio de penhora dos direitos aquisitivos.
Jurisprudência sobre penhora de bens e alienação fiduciária
Penhora do bem diverso do pedido — observância do princípio da cooperação e da legalidade
“1. A decisão extra petita é aquela que concede à parte bem diverso do pedido deduzido em juízo. Não é esta a hipótese dos autos, em que o juízo deferiu a penhora, porém em menor extensão, apenas sobre os direitos aquisitivos. 2. A pretensão deduzida em juízo na execução por quantia certa é a satisfação do crédito representado pelo título executivo. Assim, cabe ao credor apontar ao juízo bens e direitos do devedor que possam ser alienados para, com o produto de sua venda, saldar a dívida. Em atenção ao princípio da cooperação e diante da clara comprovação da existência de direito do devedor com conteúdo econômico, o magistrado apenas adequou o pedido do credor dentro dos limites da legalidade e determinou a constrição somente sobre os direitos aquisitivos.”
Acórdão 1374920, 07133917720218070000, Relator: LUÍS GUSTAVO B. DE OLIVEIRA, Quarta Turma Cível, data de julgamento: 23/9/2021, publicado no DJE: 8/10/2021.
Penhora de direitos aquisitivos — observância à ordem de preferência legal
“O artigo 805, do Código de Processo Civil, consigna que a penhora deve ser feita da maneira menos onerosa para o devedor; contudo, essa prerrogativa não se sobrepõe ao interesse do credor à satisfação da dívida, nos termos do artigo 797, do referido diploma legal. A substituição da penhora depende da concordância da parte credora, a quem incumbe aferir se tal medida é ou não apropriada à satisfação do crédito, bem como da demonstração de ausência de prejuízo ao exequente e da observância da ordem legal estabelecida no artigo 835, do Código de Ritos, conforme estabelecem os artigos 847, §4º, e 848, inciso I, deste mesmo Codex. A pretendida substituição dos bens imóveis penhorados pelo Juízo de origem por automóveis que possuem registro de alienação fiduciária, além de implicar prejuízo ao exequente/agravado, redundam em inobservância à ordem legal estabelecida pelo artigo 835, do Código de Processo Civil, uma vez que, enquanto a penhora dos direitos aquisitivos derivados de contrato de alienação fiduciária possui previsão no inciso XII, do referido dispositivo legal, a possibilidade de constrição de bens imóveis é albergada pelo seu inciso V.” (grifamos)
Acórdão 1141935, 07179931920188070000, Relator: ESDRAS NEVES, Sexta Turma Cível, data de julgamento: 6/12/2018, publicado no DJE: 11/12/2018.
Possibilidade de penhora dos direitos aquisitivos sobre bem situado em condomínio irregular
“3.1. ‘(…) 1. Encontra-se consolidado, no âmbito do e. TJDFT, o entendimento que permite a penhora e alienação em hasta pública de direitos possessórios relativos a imóveis irregulares, dado o relevante valor econômico que possuem, sobretudo diante da realidade vivenciada no Distrito Federal, onde, recorrentemente, se negocia a posse de imóveis pertencentes a entes públicos, mediante cessão de direitos a particulares. 2. Revela-se possível a penhora de direitos possessórios relativos a imóvel situado em condomínio irregular, uma vez que a constrição não recai sobre o imóvel em si, mas apenas sobre os direitos pessoais a ele inerentes. 3. A venda em hasta pública não tem o condão de regularizar a propriedade da terra nua, que continua pertencendo àquele que a detém perante o registro imobiliário. Salienta-se apenas que os arrematantes devem estar cientes da referida situação do imóvel e que poderão perdê-lo caso o Poder Público invalide o ato de cessão de direitos. 4. Notoriamente reconhecido o valor econômico que se atribui aos direitos possessórios sobre o imóvel irregular objeto dos autos, afigura-se possível a repetição da hasta pública requerida pela parte Agravante, para que sejam penhorados os referidos direitos aquisitivos sobre o bem, como forma de saldar a dívida condominial dele decorrente. 5. Recurso conhecido e provido. Decisão agravada reformada’. (07010583020208070000, Relator: Getúlio De Moraes Oliveira, 7ª Turma Cível, DJE: 6/5/2020.)”
Acórdão 1313096, 07132092820208070000, Relator: JOÃO EGMONT, Segunda Turma Cível, data de julgamento: 27/01/2021, publicado no DJE:09/02/2021.
Penhorar direitos aquisitivos: Uma alternativa eficaz na alienação fiduciária
A penhora de bens em contratos de alienação fiduciária apresenta nuances importantes, refletindo as particularidades dessa modalidade de garantia.
Embora, em regra, o bem alienado fiduciariamente não possa ser penhorado diretamente, existem alternativas jurídicas viáveis, como a penhora dos direitos aquisitivos do devedor fiduciário, o que pode ser uma estratégia eficaz para satisfazer a dívida.
Além disso, a penhora de bens não vinculados à garantia fiduciária ou que excedam o valor da dívida também pode ser uma solução possível, desde que observados os direitos do credor fiduciário.
Para advogados que lidam com casos envolvendo alienação fiduciária, é essencial uma análise detalhada dos contratos e da legislação pertinente, bem como o uso adequado das ferramentas processuais disponíveis, para garantir a recuperação dos créditos de forma legal e eficaz.
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