Recomendação Nº 159 do CNJ: Medidas contra litigância predatória

30 out, 2024
Deusa da Justiça

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aprovou a Recomendação Nº 159, no dia 23 de outubro, que orienta os tribunais sobre as ações específicas a serem tomadas frente a casos de litigância predatória.

A litigância predatória (litigância abusiva) é uma prática recorrente que vem impactando negativamente o sistema judiciário brasileiro, resultando no aumento de processos desnecessários e no atraso na resolução de demandas legítimas.

Abaixo, para você se manter atualizado, abordaremos as diretrizes da recomendação do CNJ.

O que é a “litigância predatória” (litigância abusiva)?

A litigância predatória é caracterizada pelo uso do sistema judicial de maneira excessiva e injustificada, com o propósito de obter vantagens, mesmo em casos sem mérito

Isso inclui o ajuizamento de ações repetitivas, a interposição de recursos protelatórios e a apresentação de pedidos infundados, que têm como finalidade retardar o andamento de processos, obter vantagens de modo excessivo ou intimidar partes processuais

Em resumo, a litigância predatória usa a justiça como ferramenta de pressão ou manipulação, criando obstáculos ao funcionamento do sistema judicial e podendo prejudicar diretamente as partes envolvidas.

O que diz a Recomendação nº159 do CNJ?

A Recomendação Nº 159 do CNJ, aprovada pelo plenário do Conselho, orienta tribunais na identificação e prevenção de práticas de litigância predatória, promovendo a celeridade e a eficiência no tratamento das demandas. 

Ademais, ela sugere que os tribunais adotem medidas para monitorar, identificar e coibir as ações abusivas, como o uso de tecnologia para detectar padrões de litigância reincidente e comportamentos processuais atípicos.

Vejamos o provimento por completo:

“Art. 1º, Recomendação nº 159, CNJ. Recomendar aos(às) juízes(as) e tribunais que adotem medidas para identificar, tratar e sobretudo prevenir a litigância abusiva, entendida como o desvio ou manifesto excesso dos limites impostos pela finalidade social, jurídica, política e/ou econômica do direito de acesso ao Poder Judiciário, inclusive no polo passivo, comprometendo a capacidade de prestação jurisdicional e o acesso à Justiça.

Parágrafo único. Para a caracterização do gênero “litigância abusiva”, devem ser consideradas como espécies as condutas ou demandas sem lastro, temerárias, artificiais, procrastinatórias, frívolas, fraudulentas, desnecessariamente fracionadas, configuradoras de assédio processual ou violadoras do dever de mitigação de prejuízos, entre outras, as quais, conforme sua extensão e impactos, podem constituir litigância predatória.

Art. 2º, Recomendação nº 159, CNJ. Na detecção da litigância abusiva, recomenda-se aos(às) magistrados(as) e tribunais que atentem, entre outros, para os comportamentos previstos no Anexo A desta Recomendação, inclusive aqueles que aparentam ser lícitos quando isoladamente considerados, mas possam indicar desvio de finalidade quando observados em conjunto e/ou ao longo do tempo.

Art. 3º, Recomendação nº 159, CNJ.  Ao identificar indícios de desvio de finalidade na atuação dos litigantes em casos concretos, os(as) magistrados(as) poderão, no exercício do poder geral de cautela e de forma fundamentada, determinar diligências a fim de evidenciar a legitimidade do acesso ao Poder Judiciário, incluindo, entre outras, as previstas no Anexo B desta Recomendação.

Art. 4º, Recomendação nº 159, CNJ.  Com vistas à detecção de indícios de litigância abusiva, recomenda-se aos tribunais, especialmente por meio de seus Centros de Inteligência e Núcleos de Monitoramento do Perfil de Demandas, que adotem, entre outras, as medidas previstas no Anexo C desta Recomendação.

Art. 5º, Recomendação nº 159, CNJ.  Para a compreensão adequada do fenômeno da litigiosidade abusiva, de suas diversas manifestações e impactos e das estratégias adequadas de tratamento, recomenda-se aos tribunais que promovam:

I – ações de formação continuada para magistrados(as) e suas equipes, inclusive com a promoção de diálogo entre as instâncias judiciais, para compartilhamento de informações e experiências sobre o tema; e

II – campanhas de conscientização voltadas à sociedade, com uso de linguagem simples.

Art. 6º, Recomendação nº 159, CNJ. Esta Recomendação entra em vigor na data de sua publicação.”

Essa recomendação é um marco na tentativa de equilibrar o uso da justiça, promovendo a desburocratização do sistema e ajudando a proteger as partes que realmente necessitam de uma decisão judicial célere e justa.

Como o CNJ pretende mitigar a litigância predatória?

Para auxiliar na identificação e mitigação da litigância predatória, o CNJ também incluiu três anexos detalhando o que pode ser considerado como condutas abusivas e quais são as medidas a serem consideradas pelos tribunais.

Veremos cada uma das listas a seguir:

Quais são as condutas processuais consideradas potencialmente abusivas?

O CNJ considera as seguintes condutas como potencialmente abusivas:

“1) requerimentos de justiça gratuita apresentados sem justificativa, comprovação ou evidências mínimas de necessidade econômica;

2) pedidos habituais e padronizados de dispensa de audiência preliminar ou de conciliação;

3) desistência de ações ou manifestação de renúncia a direitos após o indeferimento de medidas liminares, ou quando notificada a parte autora para comprovação dos fatos alegados na petição inicial, para regularização da representação processual, ou, ainda, quando a defesa da parte ré vem acompanhada de documentos que comprovam a existência ou validade da relação jurídica controvertida;

4) ajuizamento de ações em comarcas distintas do domicílio da parte autora, da parte ré ou do local do fato controvertido;

5) submissão de documentos com dados incompletos, ilegíveis ou desatualizados, frequentemente em nome de terceiros;

6) proposição de várias ações judiciais sobre o mesmo tema, pela mesma parte autora, distribuídas de forma fragmentada;

7) distribuição de ações judiciais semelhantes, com petições iniciais que apresentam informações genéricas e causas de pedir idênticas, frequentemente diferenciadas apenas pelos dados pessoais das partes envolvidas, sem a devida particularização dos fatos do caso concreto;

8) petições iniciais que trazem causas de pedir alternativas, frequentemente relacionadas entre si por meio de hipóteses;

9) distribuição de ações com pedidos vagos, hipotéticos ou alternativos, que não guardam relação lógica com a causa de pedir;

10) petição de demandas idênticas, sem menção a processos anteriores ou sem pedido de distribuição por dependência ao juízo que extinguiu o primeiro processo sem resolução de mérito (CPC, art. 286, II);

11) apresentação de procurações incompletas, com inserção manual de informações, outorgadas por mandante já falecido(a), ou mediante assinatura eletrônica não qualificada e lançada sem o emprego de certificado digital de padrão ICP-Brasil;

12) distribuição de ações sem documentos essenciais para comprovar minimamente a relação jurídica alegada ou com apresentação de documentos sem relação com a causa de pedir;

13) concentração de grande volume de demandas sob o patrocínio de poucos(as) profissionais, cuja sede de atuação, por vezes, não coincide com a da comarca ou da subseção em que ajuizadas, ou com o domicílio de qualquer das partes;

14) ajuizamento de ações com o objetivo de dificultar o exercício de direitos, notadamente de direitos fundamentais, pela parte contrária (assédio processual);

15) propositura de ações com finalidade de exercer pressão para obter benefício extraprocessual, a exemplo da celebração de acordo para satisfação de crédito, frequentemente com tentativa de não pagamento de custas processuais;

16) atribuição de valor à causa elevado e aleatório, sem relação com o conteúdo econômico das pretensões formuladas;

17) apresentação em juízo de notificações extrajudiciais destinadas à comprovação do interesse em agir, sem regular comprovação de recebimento, dirigidas a endereços de e-mail inexistentes ou não destinados a comunicações dessa natureza;

18) apresentação em juízo de notificações extrajudiciais destinadas à comprovação do interesse de agir, formuladas por mandatários(as), sem que tenham sido instruídas com procuração, ou, se for o caso, com prova de outorga de poderes especiais para requerer informações e dados resguardados por sigilo em nome do(a) mandante;

19) formulação de pedidos declaratórios, sem demonstração da utilidade, necessidade e adequação da prestação jurisdicional; e

20) juntada de instrumento de cessão do direito de demandar ou de eventual e futuro crédito a ser obtido com a ação judicial, especialmente quando conjugada com outros indícios de litigância abusiva.”

Quais são as medidas judiciais a serem adotadas diante de casos concretos de litigância abusiva?

O Anexo B da Recomendação nº159 do CNJ enumera 17 medidas judiciais que devem ser tomados ao ser identificado um caso de litigância predatória:

“1) adoção de protocolo de análise criteriosa das petições iniciais e mecanismos de triagem processual, que permitam a identificação de padrões de comportamento indicativos de litigância abusiva;

2) realização de audiências preliminares ou outras diligências, inclusive de ordem probatória, para averiguar a iniciativa, o interesse processual, a autenticidade da postulação, o padrão de comportamento em conformidade com a boa-fé objetiva e a legitimidade ativa e passiva nas ações judiciais, com a possibilidade inclusive de escuta e coleta de informações para verificação da ciência dos(as) demandantes sobre a existência e o teor dos processos e sobre sua iniciativa de litigar;

3) fomento ao uso de métodos consensuais de solução de conflitos, como a mediação e a conciliação, inclusive pré-processuais, com incentivo à presença concomitante dos(as) procuradores(as) e das partes nas audiências de conciliação;

4) notificação para complementação de documentos comprobatórios da condição socioeconômica atual das partes nos casos de requerimentos de gratuidade de justiça, sem prejuízo da utilização de ferramentas e bases de dados disponíveis, inclusive Infojud e Renajud, diante de indícios de ausência de preenchimento dos requisitos necessários à concessão do benefício;

5) ponderação criteriosa de requerimentos de inversão do ônus da prova, inclusive nas demandas envolvendo relações de consumo;

6) julgamento conjunto, sempre que possível, de ações judiciais que guardem relação entre si, prevenindo-se decisões conflitantes (art. 55, § 3º, do CPC);

7) reunião das ações no foro do domicílio da parte demandada quando caracterizado assédio judicial (ADIs 6.792 e 7.005);

8) adoção de medidas de gestão processual para evitar o fracionamento injustificado de demandas relativas às mesmas partes e relações jurídicas;

9) notificação para apresentação de documentos originais, regularmente assinados ou para renovação de documentos indispensáveis à propositura da ação, sempre que houver dúvida fundada sobre a autenticidade, validade ou contemporaneidade daqueles apresentados no processo;

10) notificação para apresentação de documentos que comprovem a tentativa de prévia solução administrativa, para fins de caracterização de pretensão resistida;

11) comunicação à Seccional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) da respectiva unidade federativa, quando forem identificados indícios de captação indevida de clientela ou indícios de litigância abusiva;

12) notificação para pagamento das custas processuais provenientes de demandas anteriores extintas por falta de interesse ou abandono, antes do processamento de novas ações da mesma parte autora;

13) adoção de cautelas com vistas à liberação de valores provenientes dos processos com indícios de litigância abusiva, especialmente nos casos de vulnerabilidade econômica, informacional ou social da parte, podendo o(a) magistrado(a), para tanto, exigir a renovação ou a regularização de instrumento de mandato desatualizado ou com indícios de irregularidade, além de notificar o(a) mandante quando os valores forem liberados por meio do mandatário;

14) notificação da parte autora para esclarecer eventuais divergências de endereço ou coincidência de endereço entre a parte e seu(ua) advogado(a), especialmente nos casos em que registrados diferentes endereços nos documentos juntados e/ou em bancos de dados públicos;

15) realização de exame pericial grafotécnico ou de verificação de regularidade de assinatura eletrônica para avaliação da autenticidade das assinaturas lançadas em documentos juntados aos autos;

16) requisição de providências à autoridade policial e compartilhamento de informações com o Ministério Público, quando identificada possível prática de ilícito que demande investigação (CPP, art. 40); e

17) prática presencial de atos processuais, inclusive nos casos de processamento segundo as regras do juízo 100% digital.”

Fachada do Conselho Nacional de Justiça
Créditos da imagem: Rômulo Serpa | Imagem alterada | Original disponível em: Flickr

Quais são as medidas recomendadas aos tribunais para combater a litigância predatória (abusiva)?

Por fim, a Recomendação Nº 159 do CNJ sugere que os tribunais adotem as seguintes medidas para combater a litigância predatória:

“1) sistemática conferência e eventual correção de classes e assuntos processuais, preferencialmente mediante ferramentas automatizadas e com base na leitura de peças e outros documentos;

2) desenvolvimento e implementação de sistemas de inteligência de dados para monitoramento contínuo da distribuição e da movimentação de ações judiciais, com capacidade de identificar padrões de conduta abusiva, enviando-se alertas aos(às) magistrados(as);

3) criação de painéis de monitoramento, integrados aos sistemas processuais eletrônicos, permitindo o acompanhamento visual da distribuição em tempo real de ações idênticas ou similares ou que apresentem indícios de litigância abusiva;

4) integração de bases de dados e sistemas de controle processual entre tribunais, órgãos do sistema de justiça e instituições afins, respeitando-se as normas de proteção de dados e identificando-se eventual migração da litigância abusiva entre regiões do país, padrões similares de atuação e repetição de processos em diferentes tribunais;

5) geração de relatórios periódicos para subsidiar o planejamento e as ações preventivas, de correção e avaliação das medidas adotadas no âmbito das unidades e tribunais;

6) o monitoramento da concentração de grande volume de demandas promovidas pela mesma parte autora e/ou patrocinadas pelos(as) mesmos(as) profissionais, com a geração de alertas e eventual cruzamento de indícios de abusividade, para viabilizar a tomada de decisões;

7) adoção de práticas de cooperação entre tribunais, Ministério Público, Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Defensoria Pública e instituições afins, para compartilhamento de informações e estabelecimento de estratégias conjuntas de tratamento da litigiosidade abusiva e de seus efeitos deletérios sobre o sistema de Justiça e a sociedade; e

8) divulgação de dados consolidados sobre o exercício abusivo do direito de acesso ao Poder Judiciário e seus impactos, com foco especialmente nos gastos com a tramitação de processos e no impacto sobre o tempo médio de tramitação.”

Quando essa recomendação entra em vigor?

A Recomendação Nº159 do CNJ entrou em vigor na data da sua publicação, 23 de outubro de 2024, e os tribunais já podem começar a seguir essas práticas, a fim de diminuir a ocorrência de casos de litigância predatória.

A importância do combate à litigância abusiva

O combate à litigância abusiva é crucial para um sistema judiciário eficaz, que visa garantir o acesso à justiça e a resolução célere de demandas legítimas. 

A Recomendação Nº 159 do CNJ traz um novo panorama nesse sentido, propondo medidas práticas para reduzir o volume de ações abusivas e promover a cultura da boa-fé processual. 

Para advogados e partes, a compreensão dessas diretrizes é fundamental para uma atuação ética e responsável no uso da justiça.

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Sobre o autor

Larissa Santos Teles

Larissa Santos Teles

Entusiasta das tendências e mudanças no campo jurídico. Apaixonada pela leitura e escrita em temas variados. Estudante de Direito na Universidade Federal de Goiás.

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