Lei do Superendividamento [Lei 14.181/21]: Saiba como funciona

22 nov, 2024
Pessoas endividadas utilizando dos direitos da Lei do Superendividamento

O superendividamento da população alcançou patamares inéditos na última década, refletindo a situação já delicada da economia brasileira após os efeitos da pandemia do Coronavírus (Sar-CoV-2). 

Diante dessa situação é que se aprovou a Lei 14.181 de 01 de julho de 2021, que dispõe da prevenção e do tratamento ao superendividamento introduzindo novos artigos ao Código de Defesa do Consumidor e outras disposições.

Na prática, as duas maiores alterações foram: 

a) a inserção de novos princípios ao Direito do Consumidor; e

b) a previsão de uma renegociação de diversos compromissos financeiros de uma só vez e amoldá-los à capacidade de pagamento do consumidor.

O que é a Lei do Superendividamento?

Na esteira da garantia dos direitos consumeristas, a Lei 14.181/2021, mais conhecida como ‘Lei do Superendividamento’, introduziu os princípios da educação financeira do consumidor, da educação ambiental dos consumidores e o princípio da prevenção e tratamento do superendividamento como forma de evitar a exclusão social do consumidor, todos com previsão no art. 4º, do Código de Defesa do Consumidor.

Essas normas cujo valor deve ser respeitado em todo o diploma legal consumerista mostram o seu objetivo de maneira muito transparente: diminuir o número de pessoas superendividadas e evitar novos de pré-insolvência civil.

A educação financeira e ambiental dos consumidores é um tópico que merece texto próprio, entretanto é importante dizer que elas se traduzem em ações realizadas pelo governo, especialmente através do Poder Judiciário, focadas em capacitar os consumidores sobre a diferença de um compromisso financeiro que obedece a preservação do mínimo existencial e aquelas que sacrificam até mesmo esse limite em prol da aquisição de bens das mais variadas necessidades.

Nesse rumo, é importante também destacar que a lei prevê ajuda àqueles que sem má-fé contraíram obrigações com agentes bancários e financeiros e, em decorrência de força maior ou caso fortuito, não conseguem mais honrar os pagamentos

Como funciona a Lei do Superendividamento? [Repactuação de dívidas]

Em socorro a esse consumidor médio é que nasceu o Procedimento de Repactuação de Dívidas, entalhado no art. 104-A da Lei do Superendividamento.

Em apertada síntese, a ação de repactuação de dívidas é o procedimento judicial que visa renegociar todas as dívidas (com pouquíssimas exceções) em condições quase que extraordinárias, são elas: 

i) parcelamento em até 60 meses, isto é, cinco anos; 

ii) redução dos juros ou até a retirada da taxa de juros; e

iii) concessão de carência para o início do pagamento das parcelas renegociadas de 180 dias, isto é, seis (06) meses.

Esse conjunto de benefícios de caráter quase divino não vem sem ressalvas, é evidente. 

A renegociação não alcança compromissos financeiros com pessoas físicas e nem empréstimos com garantia real, ou seja, os contratos bancários de financiamento imobiliário que estejam dentro do Sistema Federal de Habitação (Minha Casa Minha vida e outros programas similares) e financiamento de veículos por alienação fiduciária.

Pessoa vendo suas dívidas

Vedação ao abuso do direito do Superendividamento

Além disso, existe uma vedação expressa ao abuso do direito do Superendividado, que assim como o estudo das Ondas na Ciência da Física, podem variar tanto quanto a frequência quanto na amplitude.

O primeiro mecanismo de vedação do abuso do direito é a impossibilidade de ajuizamento da ação de repactuação de dívidas no período de 02 (dois) anos após o primeiro ajuizamento

O caminho para análise dessa norma é puramente lógico, uma vez que o consumidor tenha se encontrado à beira da insolvência (falência da pessoa física) a expectativa é que não ocorra novamente, caso tenha se reerguido financeiramente. 

Portanto, a norma veda a utilização da Ação de Repactuação de Dívidas para locupletar-se em face dos credores.

Ao passo que o segundo mecanismo diz respeito à má-fé no momento de contrair as obrigações que posteriormente seriam repactuadas

A lei foi criada para proteger o consumidor que, em boa-fé, acumulou dívidas demais para pagar e agora se encontra na ameaça de perder o mínimo para sobreviver (comer, morar, locomover) e não para aqueles que se aproveitando da hermenêutica do texto querem uma “escapatória” para depois contrair novos empréstimos.

Quem será considerado superendividado?

Destarte, a doutrina busca conceituar quem são os destinatários dessa norma tão promissora. Nesse sentido, é de contribuição singular a lição da Profa. Maria Manuel Leitão Marques, citada por Leonardo Garcia (Direito do Consumidor. 14ª ed. Salvador: Juspodivm, 2020, p. 394) na distinção dos consumidores.

Temos então a figura do Superendividado Ativo Inconsciente que é aquele que se endivida voluntariamente, mas que agiu impulsivamente, de maneira imprevidente e sem malícia, deixando de cuidar da evolução exponencial dos gastos.

Não distante, mas ainda protegido pela lei, o Superendividado Passivo que é aquele que se endivida involuntariamente em decorrência de fatores externos, que chamamos de “acidentes da vida”, tais como desemprego, divórcio, fixação de pensão, perda de cargo comissionado ou de chefia, nascimento de filhos, morte na família ou necessidade de empréstimo.

Por fim, temos o Superendividado Ativo Consciente e este sim, não está protegido pela legislação, pois é aquele que voluntariamente e de má-fé contraiu dívidas convicto de que não poderia pagá-las e com intenção deliberada de fraudas os credores.

Dessa forma, é possível concluir que as benesses da Lei 14.181/2021 não vieram para desequilibrar a relação entre Bancos e Consumidores, pelo contrário, veio para atribuir contrapeso à relação e resguardar a dignidade mínima para o soerguimento da população e a diminuição dos índices de superendividamento.

Ações como a do Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul, que oferece oficinas especializadas na prevenção e combate ao superendividado, são resultados da subsunção da norma esculpida à mão para proteção dos consumidores. 

Afinal, basta perguntar à cinco pessoas do vosso círculo de relacionamento para deparar-se com uma situação de superendividamento.

A importância do conhecimento da Lei do Superendividamento

Não obstante, é imprescindível apontar a necessidade da resiliência para atuar na área litigiosa do superendividamento – e esse recado serve para os doutores e doutoras com alguma intenção de atuar nesse nicho.

A legislação inseriu um novo procedimento ao Processo Civil brasileiro e, portanto, enfrentamos um número flagrantemente grande de decisões contraditórias e não uniformizadas, que resulta em requerimentos de antecipação de efeitos da tutela frustrados, seja por evidência ou por urgência.

Dessa forma, o patrono ou patrona obrigatoriamente desenvolverá um senso de combatividade inédito para a maioria dos advogados, desde a discussão sobre a abrangência do instituto da tutela de urgência até o limite do que pode ser considerado mínimo existencial – tópico que merece um texto próprio diante da complexidade.

Afinal, concluímos que tanto no aspecto preventivo como no remediativo a Lei do Superendividamento é um marco para o Direito do Consumidor e para o Direito Processual Civil, com a criação do procedimento da repactuação de dívidas. 

Resta-nos, por consequência, atuar com diligência e sabedoria para melhor aproveitar essa grande oportunidade de melhorar os índices de endividamento do país.

Referências:

GARCIA, Leonardo. Direito do Consumidor. 14ª ed. Salvador: Juspodivm, 2020, p. 394.

Número de “superendividados” no Brasil bate recorde em 2022. Disponível em: <https://valorinveste.globo.com/mercados/noticia/2023/01/19/numero-de-superendividados-no-brasil-bate-recorde-em-2022.ghtml>

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Sobre o autor

Thiago Ferreira de Carvalho

Thiago Ferreira de Carvalho

Advogado, OAB Seccional de Mato Grosso do Sul nº 27.646, escritório Thiago Carvalho Advocacia.

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