A desconsideração da personalidade jurídica é um mecanismo jurídico que permite ao juiz desconsiderar temporariamente a separação entre a pessoa jurídica e seus sócios ou administradores, de modo a estender os efeitos de certas obrigações aos bens particulares destes.
Ela visa impedir que os responsáveis pela empresa abusem da proteção oferecida pela separação patrimonial entre a pessoa jurídica e seus membros para cometer fraudes ou atos ilícitos.
Esse instituto é amplamente utilizado para combater fraudes, abusos e má-fé em situações de desvio de finalidade ou confusão patrimonial.
O que é a Desconsideração da Personalidade Jurídica?
A desconsideração da personalidade jurídica é uma medida excepcional utilizada para proteger terceiros, principalmente credores, de atos fraudulentos praticados por meio da pessoa jurídica.
Quando ocorre abuso da personalidade jurídica, como desvio de finalidade ou confusão patrimonial, o juiz pode desconsiderar essa separação e responsabilizar os sócios ou administradores diretamente pelos atos da empresa.
A doutrina brasileira adota duas teorias principais sobre a desconsideração:
- Teoria Maior: Utilizada no âmbito do Direito Civil e aplicada quando há comprovação do abuso de personalidade. Baseia-se em requisitos rigorosos, como a confusão patrimonial ou desvio de finalidade.
- Teoria Menor: Prevista no Código de Defesa do Consumidor, é mais flexível e dispensa a prova de abuso de personalidade. Basta demonstrar a insolvência da empresa e que a personalidade é um obstáculo para o ressarcimento dos prejuízos.
Este instrumento é essencial para evitar o uso indevido da pessoa jurídica para fins ilícitos, sendo amplamente utilizado nos tribunais brasileiros para responsabilizar os sócios em casos de abuso.
Em quais situações pode ocorrer a desconsideração da personalidade jurídica?
A desconsideração da personalidade jurídica pode ocorrer quando os sócios ou administradores de uma empresa utilizam a personalidade jurídica para cometer abusos, fraudes ou desviar finalidades da pessoa jurídica.
No Brasil, esse mecanismo é regulado pelo art. 50 do Código Civil e pela Lei nº 13.874/2019 (Lei da Liberdade Econômica), que especificam as condições para sua aplicação.
Aqui estão algumas situações comuns no qual a desconsideração da personalidade jurídica pode ser aplicada:
- Abuso de personalidade jurídica: Quando há confusão patrimonial entre os bens da pessoa jurídica e dos sócios ou administradores, ou quando a empresa é utilizada para fraudar credores ou praticar atos ilícitos.
- Desvio de finalidade: Se a empresa é utilizada para finalidades diferentes das previstas em seu objeto social, principalmente com o objetivo de prejudicar terceiros ou escapar de obrigações legais.
- Fraude contra credores: Quando a empresa é usada para fraudar credores, como na criação de outras empresas para desviar patrimônio ou ocultar bens que deveriam ser usados para quitar dívidas.
- Insolvência simulada: Quando a empresa é deliberadamente conduzida à insolvência ou tem seus recursos esvaziados para evitar o pagamento de dívidas.
Nessas situações, o patrimônio dos sócios ou administradores pode ser atingido diretamente, respondendo pelas dívidas ou obrigações originalmente atribuídas à empresa.
A desconsideração visa impedir que a personalidade jurídica seja utilizada como um “escudo” para práticas ilegais ou abusivas.
Em seguida, confira o art. 50 CC comentado.
Comentários sobre o art. 50 CC
Texto Legal:
Art. 50 CC. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, pode o juiz, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, desconsiderá-la para que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares de administradores ou de sócios da pessoa jurídica beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso.
Comentário: O caput do Art. 50 estabelece as hipóteses em que a desconsideração da personalidade jurídica pode ocorrer, sendo elas o desvio de finalidade ou a confusão patrimonial.
Essas são as duas situações em que a separação entre a pessoa jurídica e seus sócios pode ser ignorada pelo juiz.
O dispositivo também destaca que a desconsideração só pode ser requerida por uma das partes ou pelo Ministério Público, caso este tenha o direito de intervir no processo.
Importante frisar que, para que haja a desconsideração, é necessário que os sócios ou administradores tenham sido beneficiados pelo abuso, direta ou indiretamente.
Art. 50, § 1º, CC: Desvio de finalidade
Texto Legal:
Art. 50, § 1º, CC. Para os fins do disposto neste artigo, desvio de finalidade é a utilização da pessoa jurídica com o propósito de lesar credores e para a prática de atos ilícitos de qualquer natureza.
Comentário: O primeiro parágrafo define o que se entende por desvio de finalidade no contexto da desconsideração da personalidade jurídica.
Assim, o desvio de finalidade ocorre quando a pessoa jurídica é utilizada com o objetivo de fraudar credores ou para praticar atos ilícitos.
O legislador reforça que qualquer tipo de ato ilícito cometido utilizando a empresa, seja ele de natureza cível, trabalhista, fiscal, entre outras, pode justificar a desconsideração.
Tendo-se como propósito evitar que a pessoa jurídica seja usada como um escudo para práticas fraudulentas.
Art. 50, § 2º, CC: Confusão patrimonial
Texto Legal:
Art. 50, § 2º, CC. Entende-se por confusão patrimonial a ausência de separação de fato entre os patrimônios, caracterizada por (…)
Comentário: Este parágrafo trata da confusão patrimonial, ou seja, da falta de distinção entre os bens da pessoa jurídica e os dos seus sócios ou administradores.
Essa ausência de separação é um dos motivos que pode levar o juiz a desconsiderar a personalidade jurídica, pois compromete a autonomia patrimonial da empresa em relação aos seus membros.
Inciso I
Texto Legal:
Art. 50, § 2º, I, CC. Cumprimento repetitivo pela sociedade de obrigações do sócio ou do administrador ou vice-versa;
Comentário: O primeiro inciso exemplifica a confusão patrimonial, mencionando casos em que a empresa paga repetidamente dívidas pessoais dos sócios ou administradores, ou quando estes assumem obrigações da pessoa jurídica.
Tal comportamento demonstra a falta de distinção entre os patrimônios e é uma das causas para a desconsideração.
Inciso II
Texto Legal:
Art. 50, § 2º, II, CC. Transferência de ativos ou de passivos sem efetivas contraprestações, exceto os de valor proporcionalmente insignificante;
Comentário: O legislador refere-se à prática de transferir ativos ou passivos entre a pessoa jurídica e os sócios sem que haja uma contraprestação, ou seja, sem que haja uma troca justa ou compensação financeira.
Esse tipo de movimentação patrimonial indica confusão entre os bens da empresa e os pessoais, comprometendo a separação patrimonial.
Inciso III
Texto Legal:
Art. 50, § 2º, III, CC. Outros atos de descumprimento da autonomia patrimonial.
Comentário: Este inciso mantém uma cláusula aberta, permitindo que outros tipos de comportamentos que não respeitem a autonomia patrimonial entre a pessoa jurídica e seus sócios ou administradores possam ser usados como fundamento para a desconsideração da personalidade jurídica.
Dessa forma, confere flexibilidade ao juiz para avaliar situações que não estão expressamente mencionadas nos outros incisos, mas que caracterizam abuso patrimonial.
Art. 50, § 3, CC: Extensão das obrigações de sócios ou de administradores à pessoa jurídica
Texto Legal:
Art. 50, § 3, CC. O disposto no caput e nos §§ 1º e 2º deste artigo também se aplica à extensão das obrigações de sócios ou de administradores à pessoa jurídica.
Comentário: O terceiro parágrafo inverte a lógica da desconsideração.
Ele estabelece que, assim como o patrimônio dos sócios pode ser atingido em casos de abuso, as obrigações dos sócios ou administradores também podem ser estendidas à pessoa jurídica, em caso de confusão patrimonial ou desvio de finalidade.
Isso garante a simetria na aplicação da desconsideração.
Art. 50, § 4º, CC: Mera existência de grupo econômico não autoriza a desconsideração
Texto Legal:
Art. 50, § 4º, CC. A mera existência de grupo econômico sem a presença dos requisitos de que trata o caput deste artigo não autoriza a desconsideração da personalidade da pessoa jurídica.
Comentário: Este parágrafo deixa claro que a existência de um grupo econômico, por si só, não é motivo suficiente para a desconsideração da personalidade jurídica.
Para que isso ocorra, é necessário que haja os requisitos específicos mencionados no caput, como o desvio de finalidade ou a confusão patrimonial.
Art. 50, § 5º, CC: Não constitui desvio de finalidade a mera expansão
Texto Legal:
Art. 50, § 5º, CC. Não constitui desvio de finalidade a mera expansão ou a alteração da finalidade original da atividade econômica específica da pessoa jurídica.
Comentário: O último parágrafo reforça que alterações no objeto social da empresa ou sua expansão não caracterizam desvio de finalidade, desde que essas mudanças sejam feitas dentro da legalidade.
O intuito é evitar interpretações equivocadas que poderiam punir empresas em processo de crescimento ou diversificação legítima.
Como é o procedimento para a desconsideração da personalidade jurídica?
O procedimento para a desconsideração da personalidade jurídica segue regras específicas no Brasil, conforme o Código de Processo Civil (CPC), em especial os arts. 133 a 137, que tratam do chamado “incidente de desconsideração da personalidade jurídica”.
Esse procedimento garante que os sócios ou administradores de uma empresa só sejam responsabilizados após o devido processo legal.
Abaixo está o passo a passo de como ocorre:
Requerimento
O incidente de desconsideração pode ser requerido:
- Pela parte interessada (geralmente o credor) em um processo judicial já existente;
- Pelo Ministério Público, nos casos em que ele atua como fiscal da ordem jurídica.
Esse requerimento deve ser fundamentado, indicando as razões e as evidências de que houve abuso da personalidade jurídica, como confusão patrimonial ou desvio de finalidade.
Autuação do Incidente
Uma vez requerido, o incidente é autuado em apartado (processado separadamente do processo principal), mas sem suspensão do processo principal.
Isso significa que o incidente é analisado paralelamente ao andamento da ação.
Intimação dos Sócios ou Administradores
Após a autuação do incidente, os sócios ou administradores cuja personalidade jurídica se busca desconsiderar são citados para se manifestarem e apresentarem defesa no prazo de 15 dias.
Eles têm o direito ao contraditório e à ampla defesa, como qualquer parte em um processo judicial.
Instrução Probatória
Havendo necessidade de provas, pode ser realizada uma fase de instrução, onde as partes podem solicitar provas documentais, testemunhais ou periciais que comprovem ou refutem os fatos alegados, como a confusão patrimonial ou o desvio de finalidade.
Decisão Judicial
Após a instrução, o juiz decide o incidente. Se ele entender que há elementos suficientes para a desconsideração da personalidade jurídica, poderá determinar que o patrimônio pessoal dos sócios ou administradores seja atingido.
Caso contrário, o pedido será rejeitado.
- Se o incidente for julgado procedente, a execução ou a responsabilização pode ser direcionada contra os bens particulares dos sócios, ou administradores.
- Se o incidente for rejeitado, a ação continua apenas contra a pessoa jurídica, sem atingir o patrimônio pessoal dos envolvidos.
Recursos
A decisão que julga o incidente da desconsideração da personalidade jurídica é passível de recurso.
Se a decisão for proferida em primeira instância, pode-se interpor agravo de instrumento (art. 1.015, IV, do CPC).
Exceções
O incidente não é necessário quando a desconsideração for solicitada no âmbito de processos que não seguem o procedimento comum, como em ações trabalhistas ou ambientais, onde o procedimento pode ser simplificado.
Esse procedimento visa garantir a proteção ao contraditório e à ampla defesa, evitando a responsabilização automática e arbitrária dos sócios ou administradores.
Comentários sobre os arts. 133 a 137 CPC: Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica
Os artigos 133 a 137 CPC tratam do Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica (IDPJ), uma ferramenta que permite afastar a proteção do patrimônio separado entre a empresa e seus sócios ou administradores em situações específicas.
Esses dispositivos são essenciais para garantir que a desconsideração da personalidade jurídica ocorra de forma processual adequada, respeitando os princípios do contraditório e da ampla defesa.
A seguir, exploramos o conteúdo e as implicações de cada um desses artigos, começando pelo art. 133 CPC.
Art. 133 CPC: Instaurando o Incidente de Desconsideração
Texto Legal:
Art. 133 CPC. O incidente de desconsideração da personalidade jurídica será instaurado a pedido da parte ou do Ministério Público, quando lhe couber intervir no processo.
Comentário: O artigo 133 estabelece que o IDPJ só pode ser instaurado por provocação, ou seja, deve ser solicitado por uma das partes do processo ou pelo Ministério Público, caso este tenha interesse ou obrigação de intervir no processo.
Isso significa que o juiz não pode desconsiderar a personalidade jurídica de ofício, sem que haja um pedido formal.
A intenção aqui é garantir o contraditório e a ampla defesa dos sócios ou administradores envolvidos.
Art. 133, § 1º, CPC: Pedido de Desconsideração da Personalidade Jurídica
Texto Legal:
Art. 133, § 1º, CPC. O pedido de desconsideração da personalidade jurídica observará os pressupostos previstos em lei.
Comentário: Este parágrafo reforça que o pedido de desconsideração da personalidade jurídica deve estar amparado em pressupostos legais.
Ou seja, deve haver uma fundamentação clara e objetiva que justifique a desconsideração, conforme as hipóteses que configuram o abuso, como o desvio de finalidade ou confusão patrimonial previstas na legislação.
Art. 133, § 2º, CPC: Hipótese de Desconsideração Inversa da Personalidade Jurídica
Texto Legal:
Art. 133, § 2º, CPC. Aplica-se o disposto neste Capítulo à hipótese de desconsideração inversa da personalidade jurídica.
Comentário: O legislador trata da desconsideração inversa, que ocorre quando os bens pessoais do sócio ou administrador são confundidos com os bens da empresa.
Esse parágrafo esclarece que os mesmos procedimentos e regras aplicáveis à desconsideração tradicional também são aplicáveis à desconsideração inversa, assegurando a proteção da autonomia patrimonial tanto da empresa quanto dos sócios.
Art. 134 CPC: Fases do Processo e Execução
Texto Legal:
Art. 134 CPC. O incidente de desconsideração é cabível em todas as fases do processo de conhecimento, no cumprimento de sentença e na execução fundada em título executivo extrajudicial.
Comentário: O artigo 134 estabelece que o IDPJ pode ser instaurado em qualquer fase do processo.
Seja na fase de conhecimento (quando o mérito da causa ainda está sendo analisado), no cumprimento de sentença (quando já há uma decisão judicial a ser cumprida), ou na execução de título executivo extrajudicial (como contratos de dívidas reconhecidas).
Isso garante que a desconsideração da personalidade jurídica possa ser aplicada em diversos momentos do processo, dependendo da necessidade.
Art. 134, § 1º, CPC: Instauração do incidente
Texto Legal:
Art. 134, § 1º, CPC. A instauração do incidente será imediatamente comunicada ao distribuidor para as anotações devidas.
Comentário: Este parágrafo trata da formalidade necessária para a instauração do IDPJ, exigindo que o distribuidor (órgão responsável pela distribuição dos processos no tribunal) seja imediatamente comunicado, a fim de realizar as devidas anotações no processo.
Isso é importante para assegurar a regularidade e a transparência processual.
Art. 134, § 2º, CPC: Dispensa da instauração do incidente
Texto Legal:
Art. 134, § 2º, CPC. Dispensa-se a instauração do incidente se a desconsideração da personalidade jurídica for requerida na petição inicial, hipótese em que será citado o sócio ou a pessoa jurídica.
Comentário: O parágrafo 2º dispensa a necessidade de instaurar o IDPJ de forma autônoma quando o pedido de desconsideração é feito já na petição inicial do processo, ou seja, desde o início da ação.
Nesse caso, o sócio ou a pessoa jurídica será diretamente citado, garantindo o contraditório e a defesa desde o início.
Art. 134, § 3º, CPC: Suspensão do processo
Texto Legal:
Art. 134, § 3º, CPC. A instauração do incidente suspenderá o processo, salvo na hipótese do § 2º.
Comentário: Este parágrafo trata da suspensão do processo.
Quando o IDPJ é instaurado, o processo principal é suspenso até que o incidente seja resolvido, exceto nos casos mencionados no § 2º, em que o pedido já está na petição inicial.
A suspensão é necessária para que o incidente seja adequadamente instruído e julgado antes de seguir com o processo principal.
Art. 134, § 4º, CPC: Pressupostos legais específicos para desconsideração da personalidade jurídica
Texto Legal:
Art. 134, § 4º, CPC. O requerimento deve demonstrar o preenchimento dos pressupostos legais específicos para desconsideração da personalidade jurídica.
Comentário: O parágrafo 4º reforça a necessidade de que o pedido de desconsideração seja fundamentado, apresentando os pressupostos legais que justificam a desconsideração.
Esses pressupostos, conforme o art. 50 CC, incluem o desvio de finalidade ou a confusão patrimonial.
Art. 135 CPC: Manifestação e Defesa
Texto Legal:
Art. 135 CPC. Instaurado o incidente, o sócio ou a pessoa jurídica será citado para manifestar-se e requerer as provas cabíveis no prazo de 15 (quinze) dias.
Comentário: O artigo 135 CPC assegura o direito ao contraditório e à ampla defesa.
Após a instauração do IDPJ, o sócio ou a pessoa jurídica tem o prazo de 15 dias para se manifestar, apresentar sua defesa e requerer a produção de provas que considere pertinentes.
Essa garantia é essencial para evitar decisões arbitrárias e para proteger os direitos dos envolvidos.
Art. 136 CPC: Decisão e Recurso
Texto Legal:
Art. 136 CPC. Concluída a instrução, se necessária, o incidente será resolvido por decisão interlocutória.
Parágrafo único. Se a decisão for proferida pelo relator, cabe agravo interno.
Comentário: Este artigo define que, após a coleta de provas (instrução), se necessária, o juiz decidirá o incidente por meio de uma decisão interlocutória, que é uma decisão parcial, proferida durante o curso do processo.
A decisão interlocutória é importante porque resolve apenas uma questão incidental (a desconsideração), sem decidir o mérito da causa principal.
Já se a decisão interlocutória for proferida pelo relator (em grau recursal), a parte prejudicada pode recorrer por meio de agravo interno, um recurso que permite que o colegiado de juízes do tribunal revise a decisão do relator.
Esse mecanismo garante uma segunda oportunidade de análise da decisão.
Art. 137 CPC: Eficácia da Desconsideração
Texto Legal:
Art. 137 CPC. Acolhido o pedido de desconsideração, a alienação ou a oneração de bens, havida em fraude de execução, será ineficaz em relação ao requerente.
Comentário: O artigo 137 trata da eficácia da decisão que acolhe o pedido de desconsideração.
Se o juiz decidir pela desconsideração da personalidade jurídica, qualquer alienação ou oneração de bens (como a venda ou penhora de bens) realizada em fraude de execução será considerada ineficaz em relação ao credor que pediu a desconsideração.
Isso protege o credor de manobras fraudulentas que visem esvaziar o patrimônio do devedor.
Quais são os tipos de desconsideração da personalidade jurídica?
Existem dois tipos principais de desconsideração da personalidade jurídica no Brasil, cada uma aplicável em situações específicas.
São elas: a desconsideração tradicional ou clássica e a desconsideração inversa.
A seguir, explicamos cada uma:
Desconsideração Tradicional (ou Clássica)
Esse é o tipo mais comum e ocorre quando, em razão de abuso da personalidade jurídica, o patrimônio dos sócios ou administradores da empresa é atingido para responder pelas dívidas da pessoa jurídica.
Situações em que esse tipo de desconsideração pode ocorrer:
- Confusão patrimonial: Quando os bens da empresa e dos sócios estão misturados de tal forma que é difícil separá-los.
- Desvio de finalidade: Quando a empresa é usada com o objetivo de fraudar terceiros ou cometer abusos de direito.
Essas duas hipóteses configuram abuso da personalidade jurídica e permitem a desconsideração tradicional.
Desconsideração Inversa
A desconsideração inversa, por sua vez, é o oposto da desconsideração tradicional.
O objetivo é atingir o patrimônio da pessoa jurídica (empresa) para responder pelas obrigações pessoais dos sócios ou administradores.
Situações em que pode ocorrer:
- Fraude patrimonial: Quando os sócios utilizam a empresa para ocultar ou desviar seus bens pessoais, geralmente para fugir de obrigações pessoais, como dívidas ou execuções.
- Confusão patrimonial inversa: Quando o sócio transfere bens pessoais para a empresa de maneira indevida, criando uma “camuflagem” para escapar de responsabilidades.
Outros Tipos (Menos Comuns)
Embora os dois tipos principais de desconsideração sejam a tradicional e a inversa, a doutrina e a jurisprudência podem ainda considerar variações ou contextos específicos:
- Desconsideração Expansiva: Alguns entendem que, em certos casos, pode haver uma desconsideração em cadeia, onde uma holding ou empresas controladas e coligadas também podem ser responsabilizadas pelas dívidas de uma empresa em específico, em razão de confusão patrimonial entre as empresas do grupo.
- Desconsideração no Âmbito Trabalhista: Na Justiça do Trabalho, a desconsideração da personalidade jurídica ocorre de maneira mais célere, em razão do caráter alimentar dos créditos trabalhistas, onde se busca a responsabilização dos sócios em caso de inadimplência da empresa.
A Prática Forense do Advogado(a) na Desconsideração da Personalidade Jurídica
A desconsideração da personalidade jurídica é um tema recorrente nas disputas judiciais, principalmente em casos que envolvem fraudes, abusos e tentativas de evasão de obrigações por meio da empresa.
Para o advogado(a) atuante na área forense, a correta aplicação deste instituto é essencial tanto na defesa dos interesses de credores quanto na proteção dos direitos de sócios e administradores de empresas.
Atuação do Advogado na Defesa do Credor
Nos casos em que o advogado(a) representa credores que foram lesados por abusos cometidos pelos sócios de uma empresa, sua principal função é demonstrar de forma clara a existência de desvio de finalidade ou confusão patrimonial.
Isso pode ser feito por meio da coleta de provas que evidenciem, por exemplo, que os sócios estão utilizando os recursos da empresa para fins pessoais ou ocultando bens que deveriam ser utilizados para satisfazer as dívidas da empresa.
Atuação do Advogado(a) na Defesa da Empresa e dos Sócios
Por outro lado, quando o advogado(a) atua na defesa da empresa ou dos sócios, sua missão é evitar a aplicação indevida da desconsideração da personalidade jurídica.
Neste caso, o advogado(a) deve trabalhar para provar que não houve abuso da personalidade jurídica, demonstrando a separação clara entre os bens pessoais e empresariais, além de contestar acusações de desvio de finalidade ou fraudes.
Isso exige uma defesa técnica e estratégica, baseada em documentação contábil e patrimonial robusta.
Estratégias Processuais
Na prática, a utilização da desconsideração da personalidade jurídica pode ser uma ferramenta poderosa nas mãos de um advogado(a) experiente.
Em muitos casos, o sucesso depende da habilidade de evidenciar o abuso da personalidade jurídica, seja por meio de perícias contábeis, depoimentos ou documentos comprobatórios.
Por outro lado, a defesa contra essa medida exige um planejamento cuidadoso para preservar a separação entre os patrimônios e garantir a integridade da pessoa jurídica.
Portanto, para advogados que atuam com questões de desconsideração da personalidade jurídica, o conhecimento profundo da doutrina, jurisprudência e prática processual é fundamental para assegurar uma atuação eficaz, seja na defesa ou no ataque.
A importância da Desconsideração da Personalidade Jurídica como mecanismo de proteção
A desconsideração da personalidade jurídica é um importante mecanismo de proteção contra fraudes e abusos cometidos no uso da pessoa jurídica, sendo amplamente aplicado em litígios que envolvem credores e sócios.
A correta compreensão do art. 50 CC e dos arts. 133 a 137 CPC, juntamente com suas aplicações práticas, é indispensável para advogados que lidam com casos de desvio de finalidade e confusão patrimonial.
Do ponto de vista forense, a atuação dos advogados é fundamental tanto para defender os interesses dos credores, garantindo que as obrigações sejam satisfeitas, quanto para proteger os direitos dos sócios, preservando a autonomia da pessoa jurídica.
A habilidade de identificar e provar (ou contestar) a ocorrência de abuso da personalidade jurídica define o sucesso de muitos casos.
Assim, o advogado(a) deve dominar as nuances desse instituto, aplicando estratégias processuais sólidas e bem fundamentadas, a fim de garantir que a desconsideração da personalidade jurídica seja utilizada de maneira justa e eficaz, seja para responsabilizar quem abusa da proteção jurídica ou para impedir sua aplicação indevida.
Antes de ir, confira também outro artigo do nosso blog: Art. 784 do CPC: Título Executivo Extrajudicial [Comentado]