Lei da Ficha Limpa: Funcionamento e importância nas eleições

29 maio, 2025
Advogada orientando um candidato político

A Lei da Ficha Limpa ocupa um papel de destaque no ordenamento jurídico brasileiro, com forte impacto na vida política e na busca por critérios mais rigorosos de elegibilidade e integridade no exercício dos cargos públicos.

Neste artigo, vamos explorar o que essa legislação estabelece, como ela surgiu, quais crimes geram inelegibilidade e, além disso, vamos analisar os desafios práticos de sua aplicação. 

Para enriquecer a discussão, contamos com a expertise do advogado Alison Jonathan Gonçalves da Silva, OAB MG 182.506, especialista em Direito Tributário e Eleitoral.

O que diz a Lei da Ficha Limpa?

A Lei Complementar nº 135/2010, conhecida como Lei da Ficha Limpa, alterou dispositivos da Lei Complementar nº 64/1990 com o objetivo de ampliar os casos de inelegibilidade de candidatos a cargos eletivos.

Essa legislação foi criada com fundamento no § 9º do art. 14 da Constituição Federal, que prevê: 

“Art. 14, § 9º , CF – Lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para exercício de mandato considerada vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta.”

Portanto, o foco central da Lei da Ficha Limpa reside na determinação dos casos em que candidatos ficam impedidos de concorrer a pleitos eleitorais

Assim, a compreensão desta lei é fundamental para a atuação no direito eleitoral.

Como surgiu a Lei da Ficha Limpa?

A Lei da Ficha Limpa surge em um cenário de descontentamento da sociedade com a crescente corrupção na política, notadamente no que concerne aos cargos eleitorais. 

Diante desse quadro, juristas, diversas entidades, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e a sociedade civil em todas as regiões do país se mobilizaram e essa organização se materializou na coleta de assinaturas para a proposição de uma lei de iniciativa popular.

De fato, esse descontentamento com o panorama político já ecoava desde 1997, com o movimento “Combatendo a Corrupção Eleitoral”

Os debates sobre a necessidade de maior probidade eleitoral se estenderam por vários anos, até que, em 2008, iniciou-se o processo formal de coleta das assinaturas necessárias para uma iniciativa popular. 

Após a obtenção de um número expressivo de apoiadores, o projeto foi encampado por deputados. 

Finalmente, em 2010, a Lei da Ficha Limpa (Lei Complementar nº 135/2010) foi votada e aprovada no Congresso Nacional, sendo posteriormente sancionada pelo Presidente da República, culminando em um resultado positivo para a sociedade.

Confira nosso artigo sobre o Novo Código Eleitoral 

Quais são os principais objetivos da Lei da Ficha Limpa?

Os principais propósitos da Lei da Ficha Limpa são:

  • Aperfeiçoar as regras de elegibilidade, para impedir  o ingresso na esfera pública de  pessoas com condenações judiciais;
  • Combater diversas formas de corrupção;
  • Atender a uma demanda da população por mais ética e moralidade, como requisitos básicos dos seus representantes políticos

As alterações introduzidas pela Lei Complementar nº 135/2010 estendem o rol de crimes que geram inelegibilidade. Pontos que merecem atenção são:

  • Contas Rejeitadas: A inelegibilidade se aplica a quem tiver contas públicas rejeitadas por irregularidade que configure ato doloso de improbidade administrativa, dependendo da presença de dolo do responsável e da anulação ou suspensão da decisão pelo Poder Judiciário.
  • Captação Ilícita de Sufrágio: A inelegibilidade agora abrange condenações por esse tipo de delito.
  • Exclusão da profissão e demissão do serviço público: Inelegibilidade para quem for excluído de seu cargo público por ato de improbidade administrativa  por decisão transitada em julgado, e para magistrados e membros do Ministério Público que forem aposentados compulsoriamente;
  • Vínculo Conjugal Artificial: A norma se estende a quem simular união estável ou casamento para burlar impedimentos de parentesco.

Apesar desses objetivos, a Lei da Ficha Limpa estabelece exceções para sua aplicação

A legislação não atinge crimes culposos, infrações de baixo potencial ofensivo, casos de ação penal privada e renúncias com o objetivo de descaracterizar a inelegibilidade.

Já sobre a inelegibilidade, é preciso pontuar que não se exige o trânsito em julgado da decisão judicial. Uma decisão de órgão judicial colegiado que declare a inelegibilidade já produz efeitos. 

Existe uma provisão transitória que concede prioridade a processos que envolvam desvio ou uso indevido de poder econômico ou se a autoridade possuir prioridade legal.

Nesse sentido, a inelegibilidade pode ser suspensa cautelarmente por decisão de órgão colegiado competente. O período de inelegibilidade estabelecido é de oito anos.

Análise da Lei ficha limpa

Na prática, quem fica inelegível segundo a Lei da Ficha Limpa?

Na prática, estão impedidas de disputar eleições as pessoas que se enquadram nas seguintes situações:

  • Políticos com mandatos cassados, seja no Congresso Nacional, em assembleias estaduais, distritais ou câmaras de vereadores;
  • Líderes do Executivo (prefeitos, governadores, vice-prefeitos e vice-governadores) que perderam a função;
  • Pessoas condenadas por abuso de poder econômico ou político;

Conforme a jurisprudência, como o Acórdão de 3/10/2019 nos ED-REspe n. 50120, a análise do abuso de poder agora se vincula à gravidade das circunstâncias, sem exigir potencialidade de o ato abusivo ter alterado o resultado da eleição. 

No entanto, o Acórdão de 13/12/2018 no AgR-AI n. 56742 reforça que o abuso de poder econômico se caracteriza pelo uso desmedido de patrimônio capaz de viciar a vontade do eleitor e desequilibrar a lisura do pleito.

  • Pessoas condenadas por atos intencionais de improbidade administrativa (com o propósito de cometer a ilegalidade);
  • Candidatos cujas contas públicas foram desaprovadas devido a irregularidades que não podem ser corrigidas;
  • Condenados por corrupção eleitoral, uso de caixa dois ou compra de votos;
  • Pessoas que atuaram na direção ou gestão de instituições financeiras, seguradoras ou de crédito no ano anterior à eleição;
  • Políticos que renunciaram ao mandato durante processos que poderiam levar à cassação;
  • Condenados por enriquecimento ilícito com suspensão dos direitos políticos;
  • Profissionais proibidos de exercer sua função por decisão de conselho profissional em razão de condutas antiéticas;
  • Servidores demitidos por decisão administrativa ou judicial, transitada em julgado;
  • Financiadores de campanha que realizaram doações consideradas ilegais;
  • Integrantes do Judiciário ou do Ministério Público que tiveram sua aposentadoria compulsória determinada por processo disciplinar, ou que solicitaram exoneração enquanto investigavam-se condutas graves;
  • Pessoas que simularam separação ou divórcio para evitar a inelegibilidade;
  • Condenados por crimes como:
  • Contra a administração pública;

Como confirma a jurisprudência, o Acórdão de 3/2/2025 no AgR-REspEl n. 060010575, o crime de telecomunicação clandestina (art. 183 da Lei n. 9.472/1997) é pluriofensivo e abrange a tutela da administração pública e do patrimônio público, o que leva à inelegibilidade.

  • Contra o sistema financeiro ou o mercado de capitais;
  • Crimes eleitorais, ambientais, contra a saúde pública, ou contra a dignidade sexual;
  • Lavagem de dinheiro, tráfico de drogas, terrorismo, tortura, racismo ou crimes hediondos;

A jurisprudência, como no Acórdão de 20/3/2025 no AgR-REspEl n. 060034245, destaca que a análise da inelegibilidade por tráfico privilegiado é objetiva e não permite juízo de valoração da gravidade da pena.

  • Prática de escravidão contemporânea;
  • Abuso de autoridade;
  • Crimes praticados em organização criminosa, milícias ou quadrilhas.
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Desafios práticos na aplicação da Lei da Ficha Limpa nas eleições

Embora a Lei da Ficha Limpa tenha como finalidade proteger a probidade administrativa, a moralidade e a legitimidade das eleições, essa norma enfrenta desafios relevantes para sua aplicação prática, especialmente por impor limitações à capacidade eleitoral passiva dos cidadãos.

Conforme o advogado Alison Jonathan Gonçalves da Silva ressalta, por envolver restrições de ordem pessoal, profissional (cargos públicos) e relacionadas à conduta dos candidatos, a Lei da Ficha Limpa exige um cuidado redobrado em sua aplicação

Isso porque sua interpretação pode afetar diretamente direitos políticos fundamentais, o que exige, segundo entendimento consolidado do TSE (AgR-RO 903-56/RS, julgado em 22/10/2014), uma interpretação restritiva das hipóteses de inelegibilidade — vedando, portanto, qualquer leitura extensiva da norma.

“As regras alusivas às causas de inelegibilidades são de legalidade estrita, vedada a interpretação extensiva para alcançar situações não contempladas pela norma” TSE no AgR – RO 903-56/RS – j. 22.10.2014 – PSESS;

Assim como também preceitua o enunciado 26 da EJE/TSE;

“As normas que versam sobre a inelegibilidade são de natureza estrita, descabendo interpretá-las de forma ampliativa a fim de alcançar situações jurídicas nelas não contempladas.”

Nesse contexto, Alison pontua que o maior desafio da Lei da Ficha Limpa está justamente nas nuances interpretativas, que podem ocasionar sua aplicação injusta  pelos  operadores do Direito, tanto quanto mal entendida  pela sociedade em geral. 

Ele destaca a necessidade de equilíbrio entre a proteção à moralidade dos pleitos e a preservação dos direitos políticos e da vontade popular expressa nas urnas.

Por fim, Alison destaca que a má aplicação da norma pode acarretar consequências sérias, como violação ao princípio da legalidade, insegurança jurídica, judicialização excessiva da política, abuso de poder, perseguição política, relativização da presunção de inocência e desequilíbrio no processo eleitoral.

Como os escritórios de advocacia têm se preparado para orientar pré-candidatos com risco de inelegibilidade?

De acordo com o advogado Alison Jonathan Gonçalves da Silva, os escritórios de advocacia, têm se estruturado para oferecer uma assessoria eleitoral cada vez mais estratégica.

Uma das principais práticas adotadas tem sido a avaliação criteriosa, no momento oportuno, das condições de elegibilidade e das eventuais causas de inelegibilidade dos pré-candidatos.

Essa análise preventiva permite antecipar riscos jurídicos e orientar decisões políticas com maior segurança. 

Essa análise se baseia no art. 11, §10 da Lei nº 9.504/1997, que dispõe:

Art. 11, § 10, Lei nº 9.504/1997- As condições de elegibilidade e as causas de inelegibilidade devem ser aferidas no momento da formalização do pedido de registro da candidatura, ressalvadas as alterações, fáticas ou jurídicas, supervenientes ao registro que afastem a inelegibilidade.”

Essa previsão legal é reforçada por duas súmulas do Tribunal Superior Eleitoral:

  • Súmula 43/TSEAs alterações fáticas ou jurídicas supervenientes ao registro que beneficiem o candidato, nos termos da parte final do art. 11, §10, da Lei nº 9.504/1997, também devem ser admitidas para as condições de elegibilidade.
  • Súmula 70/TSEO encerramento do prazo de inelegibilidade antes do dia da eleição constitui fato superveniente que afasta a inelegibilidade, nos termos do art. 11, §10, da Lei nº 9.504/1997.

Com base nessas diretrizes, os advogados passam a orientar os pré-candidatos quanto à atuação jurídica, que pode se dar em duas frentes: consultiva ou judicial, a depender da situação constatada no momento do registro da candidatura. 

Alison aponta dois cenários principais:

1. Constatação da ausência de condição de elegibilidade no ato do pedido de registro de candidatura
Caso seja constatada a ausência de alguma condição de elegibilidade no momento do pedido, mas essa situação seja superada antes da data da eleição, o registro deve ser deferido

Nesses casos, o papel do advogado é orientar de forma consultiva, acompanhando o processo e esclarecendo os impactos da eventual superação da causa impeditiva.

2. Perda superveniente das condições de elegibilidade após o pedido de registro
Aqui, pode ocorrer a impugnação ou o surgimento de causas de inelegibilidade no decorrer do processo eleitoral. 

Nessas situações, o advogado passa a atuar judicialmente na defesa do pré-candidato, apresentando os fundamentos legais para afastar eventual indeferimento, com base nas normas e súmulas citadas.

Esse preparo prévio e estratégico é fundamental para garantir a segurança jurídica do processo eleitoral e resguardar os direitos políticos dos candidatos.

Casos de reversão de inelegibilidade: o que fundamenta o sucesso em ações judiciais?

Segundo o advogado Alison Jonathan Gonçalves da Silva, os casos de reversão de inelegibilidade são decididos judicialmente com base em argumentações técnicas que envolvem tanto aspectos legais quanto jurisprudenciais, sempre a partir da realidade dos fatos relacionados à impugnação dos registros de candidatura.

O êxito dessas ações por parte de pré-candidatos ou candidatos dependerá diretamente das circunstâncias específicas de cada caso, ou seja, do motivo pelo qual a candidatura foi impugnada. 

Entre as principais teses defensivas que podem ser levantadas, destacam-se:

  • Legitimidade ativa para a proposição da Ação de Impugnação de Registro de Candidatura;
  • Legitimidade passiva, considerando aspectos como a convenção partidária e o requerimento formal do registro de candidatura;
  • Prazo para noticiar a inelegibilidade, elemento crucial para a validade da impugnação;
  • Análise da capacidade postulatória dos autores da ação;
  • Competência do juízo eleitoral responsável pelo julgamento.

Diante dessas possíveis linhas de defesa, Alison destaca que a interpretação da Lei Complementar deve ser sempre restritiva, justamente para preservar os direitos políticos fundamentais assegurados pela Constituição Federal. A aplicação ampliada ou indevida das causas de inelegibilidade pode gerar desequilíbrios no processo eleitoral e violar princípios como a legalidade e a segurança jurídica.

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O  que diz a Lei da Ficha Limpa?

A Lei da Ficha Limpa (Lei Complementar n° 135/2010 que alterou a Lei Complementar n° 64/1990) é uma regulamentação que se junta à legislação eleitoral, determinando os requisitos e os períodos de inelegibilidade para postulantes a cargos. 

Seu propósito é assegurar a retidão administrativa, a ética no desempenho de funções e a regularidade e validade dos pleitos eleitorais.

Como surgiu a Lei da Ficha Limpa?

A Lei da Ficha Limpa teve sua origem em um movimento de iniciativa popular, motivado pela insatisfação social com a corrupção política. Profissionais do direito, organizações e a sociedade civil colaboraram na coleta de assinaturas, culminando na apresentação e aprovação da proposta no Congresso Nacional em 2010.

Quais crimes tornam uma pessoa inelegível pela Lei da Ficha Limpa?

A Lei  da Ficha Limpa prevê que pessoas condenadas por decisão colegiada em determinados crimes se tornam inelegíveis por um período determinado. Entre esses crimes, destacam-se:

– Crimes contra a administração pública;

– Crimes eleitorais;

– Crimes contra o sistema financeiro nacional;

– Crimes contra o meio ambiente;

– Crimes contra a saúde pública;

– Crimes contra a dignidade sexual;

Lavagem ou ocultação de bens, direitos ou valores;

Tráfico de drogas ilícitas;

Terrorismo;

Tortura;

Racismo;

Crimes hediondos (como homicídio qualificado, estupro, entre outros);

– Práticas que submetem pessoas à condição análoga à de escravo;

Abuso de autoridade;

– Crimes cometidos por meio de organização criminosa, milícia privada, bando ou quadrilha.

A inelegibilidade depende do trânsito em julgado da decisão judicial?

Não. A Lei da Ficha Limpa dispensa a necessidade de trânsito em julgado de decisão judicial para que a inelegibilidade se configure. Uma decisão proferida por um órgão judicial colegiado já basta para esse fim.

Qual o prazo de inelegibilidade estabelecido pela Lei da Ficha Limpa?

Atualmente, o período de inelegibilidade aplicado pela Lei da Ficha Limpa se estende por um total de oito anos.

A rejeição de contas públicas sempre gera inelegibilidade?

Não. A inelegibilidade por rejeição de contas de agentes públicos apenas se configura sob condições específicas: quando a conduta do responsável envolver má-fé (dolo) na prática da ilegalidade, e se a referida decisão de desaprovação não tiver sido anulada ou suspensa por determinação do Poder Judiciário.

Quem renunciou ao mandato pode ser considerado inelegível?

Sim. Agentes políticos que abriram mão do mandato durante procedimentos que poderiam resultar na cassação podem ser declarados inelegíveis, de acordo com as normas da Lei da Ficha Limpa.

Como a Lei da Ficha Limpa busca combater o abuso de poder econômico?

Por meio de suas disposições revisadas, a Lei da Ficha Limpa tornou mais rigorosa a punição ao mau uso de recursos econômicos. A legislação agora considera o grau de gravidade das circunstâncias que definem o abuso, e não se restringe apenas à verificação da alteração do resultado da eleição.

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Sobre o autor

Jamile Cruz

Jamile Cruz

Pedagoga e estudante de Direito na UNEB. Pós-graduada em Direito Civil e Direito Digital. Apaixonada por educação, tecnologia e produção de conteúdo jurídico. Pesquisadora na área de proteção de dados e inovação no Direito.

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