A sanção da Lei 15.272/2025 atualizou pontos centrais do Código de Processo Penal, redefinindo critérios para a conversão da prisão em flagrante em preventiva, instituindo regras específicas para a coleta de DNA de custodiados e criando parâmetros mais objetivos para medir a periculosidade do agente.
A mudança nasce da pressão para decisões mais transparentes e fundamentadas nas audiências de custódia, além de uma tentativa de alinhar a atuação judicial a padrões concretos, não mais à chamada “gravidade abstrata do delito”.
O que mudou no CPP com a nova lei?
A Lei 15.272/25 promoveu três modificações estruturais no sistema de prisões cautelares:
1. Novas circunstâncias que recomendam a prisão preventiva nas audiências de custódia
O art. 310 do CPP passou a trazer, pela primeira vez, um conjunto de elementos que devem ser avaliados quando o juiz analisa a possibilidade de converter o flagrante em preventiva.
Entre essas circunstâncias estão a reiteração delitiva, o uso de violência, a existência de fuga ou risco de fuga e o perigo para a colheita ou preservação da prova.
Na prática, o rol orienta a fundamentação judicial e confere previsibilidade maior às partes, ainda que mantenha espaço para análise casuística.
2. Obrigatoriedade de análise expressa dos critérios de periculosidade
O juiz agora deve, obrigatoriamente, examinar os critérios listados no novo §3º do art. 312 do CPP na aferição de periculosidade, na qual devem ser considerados elementos como: modus operandi, eventual participação em organização criminosa, natureza e quantidade de armas ou drogas apreendidas e risco de reiteração delitiva.
A lei também deixa claro que não cabe prisão preventiva por “gravidade abstrata”: é necessário demonstrar fatos concretos que indiquem risco real.
Isso reforça o que a jurisprudência já fazia de forma oscilante, mas agora com amparo legal explícito.
3. Criação do art. 310-A e instituição de regras para coleta de DNA
A lei introduz a possibilidade e, em certos casos, a necessidade de coleta de material biológico em prisões em flagrante que envolvam crimes violentos, delitos contra a dignidade sexual, crimes hediondos ou investigados com indícios de envolvimento em organizações criminosas armadas.
A coleta deve ocorrer preferencialmente na própria audiência de custódia ou, no máximo, em dez dias, seguindo os protocolos de cadeia de custódia.
A medida reforça o banco de perfis genéticos e aproxima o Brasil de práticas já adotadas em outros países, ao mesmo tempo em que levanta debates sobre privacidade e proporcionalidade.
Texto integral da Lei 15.272/2025
A seguir, o texto integral da lei.
Lei nº 15.272, de 26 de novembro de 2025
“O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:
Art. 1º O Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 (Código de Processo Penal), passa a vigorar com as seguintes alterações:
“Art. 310. …
§ 5º São circunstâncias que, sem prejuízo de outras, recomendam a conversão da prisão em flagrante em preventiva:
I – haver provas que indiquem a prática reiterada de infrações penais pelo agente;
II – ter a infração penal sido praticada com violência ou grave ameaça contra a pessoa;
III – ter o agente já sido liberado em prévia audiência de custódia por outra infração penal, salvo se por ela tiver sido absolvido posteriormente;
IV – ter o agente praticado a infração penal na pendência de inquérito ou ação penal;
V – ter havido fuga ou haver perigo de fuga; ou
VI – haver perigo de perturbação da tramitação e do decurso do inquérito ou da instrução criminal, bem como perigo para a coleta, a conservação ou a incolumidade da prova.
§ 6º A decisão de que trata o caput deste artigo deve ser motivada e fundamentada, sendo obrigatório o exame, pelo juiz, das circunstâncias previstas nos §§ 2º e 5º deste artigo e dos critérios de periculosidade previstos no § 3º do art. 312.”
“Art. 310-A. No caso de prisão em flagrante por crime praticado com violência ou grave ameaça contra a pessoa, por crime contra a dignidade sexual ou por crime praticado por agente em relação ao qual existam elementos probatórios que indiquem integrar organização criminosa que utilize ou tenha à sua disposição armas de fogo ou em relação ao qual seja imputada a prática de crime previsto no art. 1º da Lei nº 8.072/1990,(Lei dos Crimes Hediondos), o Ministério Público ou a autoridade policial deverá requerer ao juiz a coleta de material biológico para obtenção e armazenamento do perfil genético do custodiado, na forma da Lei nº 12.037/2009.
§ 1º A coleta de material biológico para a obtenção do perfil genético deverá ser feita, preferencialmente, na própria audiência de custódia ou no prazo de 10 (dez) dias , contando de sua realização.
§ 2º A coleta de material biológico será realizada por agente público treinado e respeitará os procedimentos de cadeia de custódia definidos pela legislação em vigor e complementados pelo órgão de perícia oficial de natureza criminal.”
“Art. 312. …
§ 3º Devem ser considerados na aferição da periculosidade do agente, geradora de riscos à ordem pública:
I – o modus operandi, inclusive quanto ao uso reiterado de violência ou grave ameaça à pessoa ou quanto à premeditação do agente para a prática delituosa;
II – a participação em organização criminosa;
III – a natureza, a quantidade e a variedade de drogas, armas ou munições apreendidas; ou
IV – o fundado receio de reiteração delitiva, inclusive à vista da existência de outros inquéritos e ações penais em curso.
§ 4º É incabível a decretação da prisão preventiva com base em alegações de gravidade abstrata do delito, devendo ser concretamente demonstrados a periculosidade do agente e seu risco à ordem pública, à ordem econômica, à regularidade da instrução criminal e à aplicação da lei penal, conforme o caso.”
Art. 2º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Brasília, 26 de novembro de 2025.
LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA
Manoel Carlos de Almeida Neto
Fonte: Site do Planalto

Impactos práticos para a advocacia
A Lei 15.272/2025 altera a dinâmica da atuação criminal logo nas primeiras horas da persecução penal. Os principais reflexos são:
• Audiência de custódia mais estratégica
A defesa passa a ter espaço ampliado para demonstrar, desde o início, a ausência dos elementos que sustentariam a conversão do flagrante em preventiva.
A análise das circunstâncias do art. 310 e dos critérios de periculosidade do art. 312, ambos do CPP, agora é obrigatória, o que favorece intervenções técnicas bem estruturadas.
• Necessidade de produzir elementos concretos desde o primeiro atendimento
Com a exigência legal de fundamentação baseada em fatos, informações sobre vínculos sociais, residência, rotina, antecedentes e inexistência de risco processual se tornam ainda mais relevantes.
A defesa precisa reunir esses elementos rapidamente para contrapor argumentos de risco e reiteração.
• Aumento da responsabilidade argumentativa do Ministério Público e da autoridade policial
Pedidos de preventiva e de coleta de DNA deixam de poder se apoiar em justificativas genéricas. A nova lei exige correlação entre fatos, circunstâncias do caso e riscos concretos, o que demanda maior cuidado na formulação das manifestações iniciais.
• Maior espaço para contestar decisões mal fundamentadas
Ao exigir que o juiz examine expressamente cada circunstância relevante, a lei abre margem mais clara para questionar decisões que utilizem gravidade abstrata ou raciocínios padronizados.
Recursos, habeas corpus e pedidos de reconsideração ganham força quando a motivação não atende ao novo padrão legal.
• Atuação mais cuidadosa em casos que envolvem coleta de DNA
A defesa deve verificar se o caso realmente se enquadra nas hipóteses legais do art. 310-A do CPP para coleta de DNA, se houve requerimento válido do MP ou da polícia e se o procedimento respeitou a cadeia de custódia.
Isso amplia o trabalho técnico em casos de crimes violentos e hediondos.
• Profissionalização dos fluxos internos nos escritórios
Escritórios que atuam na área criminal passam a depender mais de padronização de documentos, entrevistas iniciais completas, checklists e protocolos internos para reunir informações sensíveis que impactam diretamente a análise de periculosidade.
• Mudança no padrão decisório, não no número de preventivas
A lei não implica aumento automático de prisões. O efeito principal é o refinamento da motivação judicial: decisões precisam ser mais densas, concretas e coerentes com os critérios legais.
Quando isso não ocorre, abre-se maior espaço para revisão por instâncias superiores.
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A Lei 15.272/2025 aumenta o número de prisões preventivas?
Não necessariamente. A lei cria novas circunstâncias que “recomendam” a conversão do flagrante em preventiva, mas também impõe exigência mais rigorosa de fundamentação concreta, proibindo a prisão baseada apenas na gravidade abstrata do crime.
Na prática, isso tende a qualificar não ampliar automaticamente o uso da preventiva.
O juiz é obrigado a decretar preventiva quando algum item do art. 310, §5º do CPP estiver presente?
Não. O §5º do art. 310 do CPP apresenta situações que recomendam, mas não obrigam. O juiz continua precisando demonstrar:
– necessidade da medida;
– inadequação das cautelares alternativas;
– e presença dos requisitos do art. 312.
O que muda na audiência de custódia?
A audiência passa a exigir do juiz uma análise expressa e obrigatória das circunstâncias do art. 310 e dos critérios de periculosidade do art. 312, ambos do CPP.
Isso torna a custódia um momento ainda mais central para a defesa e para o controle da legalidade da prisão.
A coleta de DNA agora é obrigatória para qualquer preso?
Não. A coleta só pode ser requerida em flagrantes que envolvam:
– crime com violência ou grave ameaça;
– crime contra a dignidade sexual;
– crime hediondo;
– ou agente com indícios de integrar organização criminosa armada.
Mesmo assim, depende de requerimento do MP ou da autoridade policial, conforme previsão do novo art. 310-A do CPP.
Como funciona o prazo da coleta de DNA?
Conforme o novo art. 310-A do CPP, a coleta deve ocorrer, preferencialmente, na audiência de custódia. Caso não seja possível, o limite é de 10 dias após a realização da audiência.





