Crime de Falso Testemunho: aspectos práticos para advogados que atuam na área penal

26 jun, 2025
Representação de uma testemunha jurando falar a verdade

O falso testemunho é um crime que atenta diretamente contra a integridade da Justiça, sendo cometido por aqueles que, com o dever legal de dizer a verdade, distorcem, negam ou silenciam dolosamente sobre fatos relevantes em um processo judicial, administrativo, inquérito policial ou juízo arbitral. 

Essa conduta ilícita compromete a busca pela verdade real e a lisura dos procedimentos oficiais.

Neste artigo, exploraremos a fundo o crime de falso testemunho. Abordaremos o conceito e a base legal desse delito, detalhando os requisitos para sua configuração e apresentando situações práticas em que ele pode ocorrer. 

Analisaremos as penalidades aplicáveis e as agravantes, a possibilidade de retratação que extingue a punibilidade, e o valor da fiança

Por fim, forneceremos estratégias essenciais sobre como defender alguém acusado de falso testemunho e os entendimentos e jurisprudência relevantes dos tribunais sobre o tema, oferecendo um guia completo para advogados que atuam na área penal.

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O que é o crime de falso testemunho?

O falso testemunho é o crime cometido por quem, no exercício de um dever legal de dizer a verdade, distorce os fatos deliberadamente dentro de um processo judicial, administrativo, inquérito policial ou juízo arbitral. 

A conduta pode consistir em mentir, negar a verdade ou se calar dolosamente sobre algo que deveria ser declarado.

É um crime que compromete diretamente o funcionamento da Justiça, pois interfere na obtenção da verdade real. Por isso, o bem jurídico protegido é a administração da justiça

A preocupação do legislador foi garantir que os procedimentos oficiais não sejam contaminados por versões inventadas ou ocultadas dos fatos, prejudicando partes envolvidas e o próprio sistema.

Base legal do falso testemunho

A tipificação do crime está prevista no Art. 342 do Código Penal:

“Art. 342, CP Fazer afirmação falsa, ou negar ou calar a verdade como testemunha, perito, contador, tradutor ou intérprete em processo judicial, ou administrativo, inquérito policial, ou em juízo arbitral”

A pena varia de 2 a 4 anos de reclusão, além de multa. Há causas de aumento, como suborno, efeitos em processo criminal ou quando envolve a administração pública como parte em ação cível.

Quais são os requisitos para configurar o crime de falso testemunho?

Para que se configure o crime de falso testemunho, é necessário observar alguns requisitos fundamentais:

  1. Sujeito ativo qualificado: apenas testemunhas, peritos, contadores, tradutores ou intérpretes podem cometer o crime. É um crime de mão própria, ou seja, só quem exerce essas funções no processo pode praticá-lo.

    Há uma discussão doutrinária sobre a responsabilização dos informantes. Como eles não prestam compromisso formal com a verdade, parte da doutrina entende que estariam excluídos do tipo penal.
  2. Elemento subjetivo do tipo: exige dolo específico, ou seja, intenção clara de enganar ou ocultar a verdade. Se a pessoa erra por engano, esquecimento ou confusão, não há crime.
  3. Objeto da falsidade: deve recair sobre um fato relevante juridicamente. A mentira sobre algo irrelevante para a causa não configura o crime.
  4. Ambiente formal: a conduta deve ocorrer dentro de um processo judicial, administrativo, inquérito policial ou juízo arbitral. Fora desses contextos, não há o tipo penal.

Situações práticas em que o falso testemunho pode ocorrer

Na prática, o crime de falso testemunho pode surgir em diversos cenários, e nem sempre de forma tão óbvia. Veja alguns exemplos:

  • Uma testemunha de defesa em ação penal decide mentir sobre o paradeiro do réu no dia do crime, para tentar gerar dúvida razoável;
  • Um perito judicial elabora laudo técnico fraudulento, intencionalmente, para favorecer uma das partes;
  • Um contador nomeado pelo juízo omite informações relevantes em perícia contábil, por interesse pessoal ou para agradar quem o indicou;
  • Um tradutor altera trechos de um documento estrangeiro que será usado como prova em ação de divórcio internacional;
  • Um intérprete de Libras omite parte do que foi dito na audiência, alterando o sentido do depoimento.

Além disso, há a possibilidade do crime ocorrer sem pagamento ou suborno, apenas por iniciativa do próprio sujeito ativo. Porém, se houver pagamento para mentir, temos ainda a figura do art. 343 do CP, que trata da corrupção de testemunha.

Penalidades aplicáveis e agravantes previstas em lei

A pena base é de 2 a 4 anos de reclusão, mais multa. De acordo com o §2° do art. 342 do CP, a pena pode ser aumentada de ⅙ até ⅓: :

  • Se há suborno;
  • Se os efeitos são produzidos em processo criminal;
  • Se o processo envolver a administração pública como parte.

Retratação

O crime de falso testemunho permite retratação, desde que ela ocorra antes da sentença no processo em que foi prestado o depoimento ou feita a perícia.

Essa retratação tem o efeito de extinguir a punibilidade, ou seja, o crime deixa de existir juridicamente. É uma exceção relevante dentro do Código Penal, especialmente útil para casos em que a pessoa percebe o erro e decide colaborar com a Justiça.

Para ser válida, a retratação precisa ser espontânea, completa e feita diretamente ao juízo competente. A jurisprudência costuma exigir que a nova versão seja suficientemente clara e verdadeira, corrigindo o conteúdo anterior.

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Qual é o valor da fiança por crime de falso testemunho?

O crime de falso testemunho (art. 342 do Código Penal) admite fiança, já que a pena privativa de liberdade prevista não ultrapassa 4 anos. 

No entanto, não existe um valor fixo de fiança estabelecido em lei para esse crime. 

Quem define o valor é o juiz responsável pelo caso, levando em conta as particularidades da situação, como as condições econômicas do acusado e a gravidade do fato.

Em geral, o valor da fiança é calculado com base no sistema de dias-multa, conforme prevê o art. 49 do Código Penal. A multa pode variar entre 10 a 360 dias-multa, e o valor de cada dia é fixado pelo juiz, observando os seguintes limites legais:

Art. 49, §1º, do Código Penal:
“O valor do dia-multa será fixado pelo juiz, não podendo ser inferior a um trigésimo do maior salário mínimo mensal vigente ao tempo do fato, nem superior a cinco vezes esse salário.”

Ou seja, o valor final da multa (e também da fiança, se aplicada nos mesmos parâmetros) pode variar bastante. 

Dependendo da decisão judicial, ela pode ser relativamente simbólica ou atingir quantias elevadas, especialmente em casos com circunstâncias agravantes ou réu com alto poder aquisitivo.

Juiz definindo  a pena para o crime de falso testemunho

Como defender alguém acusado de falso testemunho

A defesa em casos de falso testemunho exige atenção a vários aspectos técnicos do tipo penal. Como o crime está diretamente ligado à intenção de mentir (dolo), muitas estratégias da defesa giram em torno da desconstrução desse elemento subjetivo. 

A seguir, destacamos os principais caminhos possíveis para a atuação da advocacia nesse tipo de processo:

1. Ausência de dolo (conduta culposa ou erro honesto)

É muito comum que testemunhas se confundam, esqueçam detalhes ou relatem os fatos com falhas involuntárias, especialmente quando o depoimento é prestado muito tempo após o fato.


A defesa pode argumentar:

  • Falha de memória provocada pelo tempo;
  • Estresse ou pressão no momento do depoimento;
  • Interpretação equivocada da pergunta feita em juízo;
  • Inexperiência ou nervosismo da testemunha.

2. Fato irrelevante ou impertinente

Outro ponto importante é que a mentira precisa ter potencial de impactar juridicamente o processo. Informações falsas sobre pontos acessórios, que não influenciam na decisão judicial, não configuram o crime

Cabe à defesa demonstrar que, mesmo havendo inveracidade, ela era irrelevante ao desfecho do processo.

3. Atipicidade formal – ausência de contexto legal

A defesa pode levantar a ausência de contexto jurídico previsto em lei. 

Se a declaração foi feita fora dos procedimentos previstos no art. 342 (como conversas informais, audiências simuladas, ou fora de processo judicial, administrativo, inquérito ou juízo arbitral), não há crime.

4. Ilicitude da prova ou violação ao contraditório

Se a colheita do depoimento ou laudo técnico ocorreu de maneira irregular (sem observância do contraditório, com cerceamento de defesa ou fora dos parâmetros legais), a defesa pode questionar a própria validade da prova que embasou a acusação.

5. Retratação antes da sentença

Como já explicado, o art. 342, §2º do Código Penal admite a retratação como forma de extinguir a punibilidade. 

Caso o cliente ainda esteja no tempo hábil para isso, essa pode ser a solução mais eficiente para encerrar o processo antes de uma eventual condenação.

6. Participação de terceiros (art. 343 do CP)

É importante investigar se o cliente foi induzido ou pressionado por terceiros a mentir

Se ficar comprovado que alguém instigou a conduta ou ofereceu vantagem para que ele mentisse, pode-se discutir eventual concurso de agentes, delimitando corretamente as responsabilidades.

Jurisprudência e entendimentos relevantes sobre falso testemunho

A interpretação judicial sobre o crime de falso testemunho tem ganhado corpo nos tribunais, especialmente diante da sua relação com o devido processo legal, a instrução probatória e a própria segurança jurídica. 

A seguir, destacamos alguns julgados recentes que ajudam a compreender como o tema vem sendo tratado pelos tribunais superiores e estaduais.

1. Condenação é possível quando há autoria e materialidade comprovadas

O TJDFT reforçou que, comprovadas a autoria e a materialidade do crime de falso testemunho, não cabe absolvição por insuficiência de provas, mesmo quando o depoimento tenha ocorrido em contexto sensível como o Tribunal do Júri. 

Além disso, destacou-se que o temor pela própria vida, ao mentir em casos envolvendo organização criminosa, deve ser avaliado com neutralidade:

“Comprovadas a autoria e a materialidade do crime de falso testemunho prestado em sessão plenária do Tribunal do Júri com o intuito de beneficiar pessoa acusada de homicídio tentado, deve ser mantido o decreto condenatório (…). O fato de o falso testemunho ter sido praticado na apreciação de crime envolvendo organização criminosa de alta periculosidade (…) deve ser avaliado com neutralidade, pois o temor pela integridade física ou pela vida, nesse contexto, é compreensível e razoável.”
(TJDFT, 0707028-23.2021.8.07.0017, 3ª Turma Criminal, julgado em 20/06/2024)

2. A retratação se comunica aos coautores e partícipes

Outro ponto importante decidido pelo TJDFT foi que a retratação, quando válida, não se limita ao autor direto do falso testemunho, mas se estende aos coautores e partícipes, tornando o fato atípico para todos os envolvidos:

“A retratação no crime de falso testemunho não está destinada ao agente, mas ao fato, que deixa de ser punível. Não tem caráter subjetivo e se comunica aos coautores e partícipes.”
(TJDFT, 0714182-20.2020.8.07.0020, 2ª Turma Criminal, julgado em 16/05/2024)

Esse entendimento reforça a importância de analisar, em estratégias de defesa, se houve retratação válida no processo original, mesmo quando o cliente não tenha sido o responsável direto pela declaração falsa.

3. Retratação deve ocorrer no processo em que foi prestado o falso testemunho

O Superior Tribunal de Justiça, por sua vez, esclareceu que a retratação só produz efeitos quando ocorre no processo originário, ou seja, naquele onde foi prestado o falso testemunho. 

Se for feita apenas no processo penal instaurado posteriormente para apuração da conduta, não extingue a punibilidade:

“A retratação, a que faz referência o § 2º do art. 342 do Código Penal, causa extintiva de punibilidade, deve ocorrer até a prolação da sentença no processo em que foi prestado o falso testemunho, e não o subsequente, que visa justamente apurar a prática de tal conduta.”
(STJ, AgRg no REsp 1.777.791/TO, 6ª Turma, Rel. Min. Antonio Saldanha Palheiro, julgado em 28/11/2022)

Essa diferenciação é essencial para a atuação da defesa, principalmente nos casos em que a pessoa pretende colaborar após já responder a um inquérito específico pelo falso testemunho.

4. Crime formal: consumação ocorre com a simples declaração falsa

No mesmo sentido, o STJ também reafirmou que o crime de falso testemunho é um crime formal, ou seja, não depende de produção de efeitos concretos ou do grau de influência da declaração falsa no processo

A consumação ocorre com a afirmação falsa sobre fato juridicamente relevante:

“É assente nesta Corte que o falso testemunho (art. 342, §1º, do Código Penal) é crime formal, cuja consumação ocorre com a afirmação falsa sobre fato juridicamente relevante, e prescinde do compromisso, do grau de influência no convencimento do julgador e do devido aferimento de vantagem ilícita.”
(STJ, RHC 150.509/MG, 6ª Turma, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 21/06/2022)

Esse entendimento amplia o alcance do tipo penal, sendo suficiente a simples declaração dolosamente falsa para configurar o crime — o que exige cuidado redobrado na orientação de testemunhas e na análise técnica de depoimentos prestados.

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O que é o crime de falso testemunho?

É a conduta de mentir, negar a verdade ou calar-se dolosamente durante um processo judicial, administrativo, inquérito policial ou juízo arbitral, por parte de testemunha, perito, contador, tradutor ou intérprete. 
O bem jurídico protegido é a administração da justiça.

Qual é a pena para falso testemunho?

A pena prevista no Art. 342 do Código Penal é de 2 a 4 anos de reclusão, além de multa. 
A pena pode ser aumentada de ⅙ até ⅓  em casos de suborno, se o fato produzir efeitos em processo criminal ou envolver a administração pública em ação cível.

Como posso alegar falso testemunho em um processo?

É necessário demonstrar que a testemunha (ou outro sujeito ativo) agiu com dolo, ou seja, intenção consciente de mentir ou omitir a verdade sobre fato relevante ao processo. 
A alegação pode ser feita por meio de incidente processual, e o Ministério Público é quem detém a legitimidade para oferecer a denúncia.

É crime mentir em depoimento?

Sim, desde que a mentira ocorra dentro dos procedimentos legalmente previstos (judicial, administrativo, inquérito policial ou juízo arbitral) e seja praticada por alguém com dever legal de dizer a verdade, como testemunha ou perito.

Qual é o valor da multa por falso testemunho?

Não há valor fixo. A multa é calculada pelo juiz com base no sistema de dias-multa previsto no Art. 49 do Código Penal, que varia de 10 a 360 dias. 
O valor diário depende da condição econômica do réu, podendo ser de 1/30 até 5 vezes o maior salário mínimo da época dos fatos.

Quanto tempo leva para prescrever o crime de falso testemunho?

A prescrição varia conforme a pena aplicável. Com base na pena máxima de 4 anos, o prazo prescricional, em regra, é de 8 anos, conforme o Art. 109 do Código Penal. 
Esse prazo pode ser maior ou menor, dependendo de fatores como interrupções processuais.

Quem pode cometer o crime de falso testemunho?

Apenas testemunhas, peritos, contadores, tradutores ou intérpretes no contexto processual podem ser autores do crime, pois se trata de crime de mão própria.

Informante pode responder por falso testemunho?

Há controvérsia. Parte da doutrina entende que não, por não prestarem compromisso com a verdade. No entanto, a jurisprudência dos tribunais superiores tem entendido que sim, aplicando o Art. 342 também a informantes.

A testemunha pode se retratar?

Sim. O Art. 342, §2º do Código Penal prevê que, se houver retratação antes da sentença no processo em que o falso foi prestado, a punibilidade é extinta. A retratação deve ser espontânea e completa.

A retratação aproveita coautores ou partícipes?

Sim. A jurisprudência do TJDFT entende que a retratação não é subjetiva, mas objetiva, ou seja, atinge o fato e se comunica a todos os envolvidos, inclusive coautores e partícipes.

O que o juiz considera ao fixar o valor da fiança?

O juiz avalia as condições financeiras do acusado, a gravidade do fato e se há agravantes. Pode se basear nos mesmos critérios da multa, variando o valor conforme o caso.

O crime se consuma no momento da fala falsa?

Sim. O STJ entende que o falso testemunho é crime formal e se consuma no momento da declaração falsa sobre fato juridicamente relevante, mesmo que ela não produza efeitos concretos.

O falso testemunho pode ocorrer fora de um processo?

Não. A conduta precisa ocorrer em um processo judicial, administrativo, inquérito policial ou juízo arbitral. Fora desses contextos, não há configuração do crime.

A testemunha pode ser punida se errar sem intenção?

Não. O erro deve ser doloso. Se a testemunha se engana por esquecimento, confusão ou nervosismo, não há crime.

Há diferença entre falso testemunho e corrupção de testemunha?

Sim. O falso testemunho (Art. 342) é cometido por quem presta a declaração falsa. Já a corrupção de testemunha (Art. 343) é praticada por quem induz ou paga para que a testemunha minta.

É possível a prisão por falso testemunho?

Sim, embora pouco comum na prática, o crime admite prisão preventiva ou cautelar se houver risco à instrução, como tentativa de manipular provas ou coagir testemunhas.

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Sobre o autor

Jamile Cruz

Jamile Cruz

Pedagoga e estudante de Direito na UNEB. Pós-graduada em Direito Civil e Direito Digital. Apaixonada por educação, tecnologia e produção de conteúdo jurídico. Pesquisadora na área de proteção de dados e inovação no Direito.

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