A discussão sobre a proteção do bem de família volta ao centro dos debates jurídicos após decisão recente do Superior Tribunal de Justiça. O tribunal consolidou o entendimento de que a impenhorabilidade desse tipo de imóvel não impede a decretação de sua indisponibilidade em execuções civis.
A medida é vista como estratégia legítima para evitar fraudes e preservar a utilidade do processo, sem violar o direito à moradia. Advogados que atuam em cobrança, execução e direito imobiliário precisam compreender o impacto prático desse precedente, que reforça a distinção entre penhora e indisponibilidade e amplia as possibilidades de atuação dos credores na busca pela satisfação do crédito.
Dessa forma, a decisão do STJ aprofunda esse diálogo ao afirmar que, embora o bem de família seja impenhorável, nada impede que ele seja tornado indisponível como medida cautelar. Isso coloca em evidência o papel do poder geral de cautela do magistrado e consolida mais uma orientação importante para quem atua com processos de execução.
O que decidiu o STJ sobre a indisponibilidade de bem de família?
O STJ decidiu que a indisponibilidade do bem de família é possível, porque a medida cautelar não viola a impenhorabilidade, já que não resulta em expropriação.
A decisão confirma que a indisponibilidade impede apenas a alienação do imóvel, preservando integralmente o uso e a fruição da moradia pelo devedor.
Segundo o acórdão da Quarta Turma, a indisponibilidade é medida cautelar destinada a resguardar o resultado útil da execução, evitando que o devedor venda ou dilapide o patrimônio enquanto o processo ainda está em curso.
O tribunal reforçou que penhora e indisponibilidade não são institutos equivalentes. A penhora tem caráter expropriatório, enquanto a indisponibilidade apenas limita a livre disposição do bem.
Os ministros também observaram que a impenhorabilidade não garante, por si só, que o imóvel seja inalienável. A propriedade pode ser alienada voluntariamente, o que abre margem para fraudes se o devedor tentar esvaziar o patrimônio.
A indisponibilidade, nesse contexto, funciona como proteção ao credor e mecanismo de controle.
Confira a ementa do Acórdão:
EMENTA PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. IMPENHORABILIDADE. INDISPONIBILIDADE. BEM DE FAMÍLIA. INDISPONIBILIDADE É MEDIDA CAUTELAR DISTINTA DA PENHORA, TEM FINALIDADE DE GARANTIA DO RESULTADO ÚTIL DO PROCESSO. POSSIBILIDADE DE DECRETAÇÃO DE INDISPONIBILIDADE DE BEM DE FAMÍLIA. PODER GERAL DE CAUTELA DO MAGISTRADO. 1. A indisponibilidade de bem imóvel, ainda que considerado bem de família, pode ser decretada como medida cautelar, com o objetivo de impedir sua alienação e resguardar o resultado útil da execução. 2. Os institutos da impenhorabilidade e da indisponibilidade possuem naturezas e finalidades distintas: o primeiro visa à proteção contra a expropriação judicial; o segundo, à preservação do patrimônio do devedor, resguardando os interesses do credor. Não há vedação à decretação de indisponibilidade de bem de família, na medida em que a impenhorabilidade não tem como consequência automática a impossibilidade de decretação de indisponibilidade. 3. A decretação de indisponibilidade não impede o uso e a fruição do bem pelo devedor, tampouco retira sua proteção como bem de família, limitando-se a impedir sua alienação. 4. Recurso especial a que se nega provimento.
Leia aqui a íntegra do Acórdão.
A impenhorabilidade impede a decretação de indisponibilidade?
Não. A impenhorabilidade impede apenas a expropriação do bem, não a adoção de medidas para impedir sua alienação.
A decisão reforça que o artigo 1º da Lei 8.009/1990 protege o imóvel de execuções voltadas à satisfação de dívidas, mas não impede que o Judiciário imponha restrições destinadas a impedir a prática de atos que possam frustrar a execução.
O entendimento se alinha a precedentes que reconhecem a autonomia desses institutos.
O tribunal destacou, com base no acórdão analisado, três pontos fundamentais:
- A indisponibilidade não retira a proteção do bem de família.
- A medida evita fraudes e preserva o resultado útil do processo.
- A impenhorabilidade não impede a adoção de medidas cautelares.
Essa interpretação amplia a atuação do credor e preserva a finalidade social da impenhorabilidade.
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Qual foi o caso analisado pelo STJ?
O caso envolveu a execução de título extrajudicial decorrente de cobrança de aluguéis.
A executada alegou que o imóvel era bem de família e, portanto, impenhorável. O juiz reconheceu a impenhorabilidade. Em seguida, o credor pediu a indisponibilidade do imóvel, que foi deferida.
A devedora recorreu alegando que a indisponibilidade violaria a impenhorabilidade do bem de família. O Tribunal de Justiça manteve a decisão e o recurso especial foi interposto para o STJ.
O STJ confirmou a validade da indisponibilidade e reiterou que:
- A medida cautelar não impede o uso do bem.
- A proteção da moradia permanece intacta.
- A indisponibilidade visa impedir alienação e fraude.
O acórdão deixou claro que a medida encontra fundamento no poder geral de cautela do magistrado e não conflita com a legislação do bem de família.

A indisponibilidade pode ser decretada mesmo quando não há indícios de fraude?
Depende. O STJ considera que a indisponibilidade pode ser decretada mesmo sem prova concreta de fraude, desde que haja risco ao resultado útil da execução.
A medida cautelar exige uma análise de probabilidade e perigo de dano, não necessariamente a comprovação de fraude consumada.
O tribunal reconheceu que, sem a indisponibilidade, o imóvel poderia ser vendido, retirado da esfera patrimonial e tornar a execução ineficaz.
A partir das decisões citadas, destacam-se critérios observados pelos magistrados para justificar a cautelar:
- Existência de execução em curso e resistência ao pagamento.
- Risco de dilapidação patrimonial.
- Adequação e proporcionalidade da medida.
- Necessidade de preservar o resultado útil do processo.
A análise é sempre casuística e deve ser fundamentada.
A indisponibilidade pode resultar em futura penhora?
Não imediatamente, mas a medida pode preservar o imóvel caso perca a condição de bem de família no curso do processo.
O STJ explicou que a condição de bem de família pode ser alterada durante a execução. Se o devedor adquirir outro imóvel para moradia, o bem antes protegido pode perder a impenhorabilidade.
A indisponibilidade evita que o imóvel seja alienado antes que essa situação seja revista, impedindo que o credor seja prejudicado.
Em complemento, o tribunal citou precedentes em que a indisponibilidade não impede penhora futura quando os requisitos legais forem preenchidos. Assim, a medida assegura que o patrimônio permaneça estável até que o processo avance.
O que muda para advogados que atuam em execuções civis?
Os advogados podem adotar a indisponibilidade como ferramenta estratégica para proteger a efetividade da execução, especialmente quando o único bem do devedor é o imóvel de família.
Essa decisão alinha a jurisprudência recente e oferece maior segurança jurídica para requerer a medida. Também amplia o repertório de instrumentos disponíveis ao credor.
Principais implicações para a atuação dos advogados:
- A indisponibilidade passa a ser medida viável mesmo quando o imóvel é impenhorável.
- A proteção do bem de família não impede que ele seja objeto de medidas acautelatórias.
- É possível pedir a indisponibilidade no início da execução, com fundamento no risco ao resultado útil do processo.
- A decisão fortalece a tese de que a indisponibilidade é menos gravosa que a penhora.
- A cautelar evita fraudes e protege o patrimônio até eventual mudança na condição do imóvel.
A estratégia pode ser particularmente útil em execuções de dívidas locatícias, bancárias e honorários contratuais.
Como orientar clientes diante dessa decisão?
Os advogados devem orientar credores e devedores sobre o alcance da medida e seus efeitos.
Para o credor, o foco deve estar na utilização da indisponibilidade para evitar alienações que inviabilizem a execução.
Para o devedor, é importante esclarecer que a medida não retira o direito de moradia e não representa risco imediato de perda do imóvel.
Orientações essenciais incluem:
- Explicar que a indisponibilidade não gera expropriação.
- Indicar que a proteção do bem de família permanece.
- Demonstrar a necessidade de transparência patrimonial durante o processo.
- Avaliar situações em que a indisponibilidade é proporcional e adequada.
O diálogo preventivo evita agravamento de litígios e reduz riscos processuais.
Panorama final para a prática jurídica
A validação da indisponibilidade de bem de família em execuções civis reforça o equilíbrio entre a proteção da moradia e a preservação do resultado útil do processo.
O STJ deixa claro que a impenhorabilidade não impede medidas cautelares destinadas a impedir alienações prejudiciais e fraudes.
Advogados que atuam em demandas patrimoniais devem incorporar esse entendimento às suas estratégias, tanto em defesa do credor quanto na representação do devedor.
Por fim, a decisão sinaliza a consolidação de uma tendência jurisprudencial que amplia a efetividade das execuções sem comprometer a finalidade social do bem de família.
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