A Justiça do Trabalho brasileira deu um passo importante para reforçar a negociação coletiva: o Tribunal Superior do Trabalho (TST) decidiu que, quando há recusa arbitrária de patrões ou sindicatos patronais em participar de negociações, isso pode autorizar o ajuizamento de um dissídio coletivo por parte do sindicato dos trabalhadores.
Essa decisão representa uma mudança de paradigma na interpretação do requisito constitucional conhecido como “comum acordo” e tem impacto direto na defesa dos direitos coletivos.
Neste texto, explico o que foi decidido, por que isso importa, quais são os efeitos práticos e como advogados trabalhistas devem orientar seus clientes à luz desse entendimento.
O que decidiu o TST sobre dissídio coletivo de sindicato?
Por maioria de votos, o Pleno do TST firmou uma tese jurídica de observância obrigatória. A Corte entendeu que a recusa arbitrária de uma entidade sindical patronal em negociar viola a boa-fé objetiva.
O mesmo vale para qualquer integrante da categoria econômica. Essa recusa equivale a um “acordo comum tácito”. Com isso, permite o ajuizamento do dissídio coletivo econômico.
Na prática, isso significa que o requisito do “comum acordo” previsto no artigo 114, § 2º, da Constituição Federal não precisará ser um acordo expresso ou formalizado quando a recusa em negociar for injustificada e repetida.
O TST considerou que a ausência reiterada a reuniões ou o abandono imotivado das negociações demonstram conduta estratégica para bloquear a negociação, o que fere o dever de lealdade entre as partes negocial.
Além disso, o tribunal vinculou essa decisão aos princípios das Convenções 98 e 154 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que reforçam a promoção da negociação coletiva.
É constitucional a exigência de comum acordo entre as partes para ajuizamento de dissídio coletivo de natureza econômica, conforme o artigo 114, § 2º, da Constituição Federal, na redação dada pela Emenda Constitucional 45/2004.
Por que essa decisão é importante?
A importância da tese fixada pelo TST é múltipla. Primeiro, ela fortalece o direito de os sindicatos obreiros acionarem a Justiça do Trabalho para formalizar reivindicações quando a parte patronal se nega a negociar, superando a barreira do “comum acordo” como obstáculo formal.
Segundo, a decisão protege categorias vulneráveis ou aquelas cujos representantes patronais adotam postura estratégica para evitar concessões por meio de negociações.
Terceiro, ela reforça a cultura da boa-fé na negociação coletiva, impondo às partes o compromisso de participar das mesas e dialogar de modo leal.
Quarto, para advogados trabalhistas, a decisão amplia as possibilidades de ação judicial coletiva, já que confere legitimidade para ajuizar o dissídio coletivo mesmo na ausência de um acordo formal de ambas as partes.
Como elaborar contrarrazões ao recurso ordinário trabalhista: modelo pronto
Como o TST justificou a recusa arbitrária como base para o dissídio?
A fundamentação adotada pelo TST combina elementos constitucionais, infralegais e internacionais.
No plano constitucional, o artigo 114, § 2º, que exige “comum acordo” para dissídio coletivo econômico, foi interpretado de forma pragmática: a recusa estratégica ou injustificada para negociar inviabiliza a própria negociação e, portanto, pode ser entendida como um “acordo comum tácito” quando demonstrada por conduta repetida.
O tribunal também se apoiou na boa-fé objetiva, dever implícito em qualquer negociação, segundo o qual as partes devem agir com lealdade, cooperação e transparência.
Quando uma das partes abandona arbitrariamente as negociações ou falha repetidamente em comparecer à mesa, ela quebra esse dever e prejudica a possibilidade de acordo, segundo os ministros que votaram pela tese.
No plano internacional, o TST citou as Convenções da OIT: a Convenção 98 sobre o direito de organização sindical e proteção do direito de sindicalização, e a Convenção 154, que trata da promoção da negociação coletiva.
O tribunal entendeu que a recusa em negociar ativamente contraria os princípios dessas normas, reforçando a legitimação da via judicial quando a negociação falha.
Efeitos práticos para a negociação coletiva e para os sindicatos
A partir dessa decisão, espera-se impacto significativo nos processos de negociação coletiva e na atuação sindical.
Para os sindicatos de trabalhadores, há uma nova via mais robusta para acionar a Justiça do Trabalho quando enfrentam resistência infundada do outro lado.
A tese permite que a recusa arbitrária se torne elemento constitutivo para autorizar o dissídio coletivo, algo que muitos sindicatos já enfrentavam na prática, mas para o qual não havia uniformidade jurídica até agora.
Para as empresas ou sindicatos patronais, a decisão impõe um dever real de negociar, sob pena de que a recusa injustificada leve ao judiciário.
Isso pode mudar a dinâmica das mesas de negociação: não bastará convocar reuniões para cumprir formalidades, será necessário demonstrar disposição genuína para dialogar.
Também aumenta a importância de registrar de forma documentada a participação (ou ausência) em reuniões, justificando ausências de modo consistente, para evitar caracterização de recusa arbitrária.
Para a Justiça do Trabalho, a tese traz objetividade: juízes terão um parâmetro claro para avaliar se a recusa em negociar configura “comum acordo tácito”, o que pode reduzir discussões contraditórias entre instâncias inferiores e promover mais previsibilidade de decisões.
Rescisão indireta do contrato de trabalho: Como orientar clientes
Como advogados trabalhistas devem orientar os sindicatos
Advogados que representam sindicatos de trabalhadores devem avaliar cuidadosamente os seguintes aspectos:
- Documentação das negociações: garantir que todas as convocações, atas de reunião, e justificativas para ausência sejam formalizadas e arquivadas. Em eventual dissídio, é fundamental comprovar a recusa arbitrária por meio de provas robustas.
- Verificação de denúncias anteriores: avaliar histórico de negociações anteriores para verificar se há padrão de recusa, ausência a reuniões ou abandono das tratativas, pois isso reforça o argumento de recusa estratégica.
- Formulação da tese jurídica: preparar a petição inicial do dissídio coletivo demonstrando que a recusa arbitrária configura violação da boa-fé objetiva, com base na tese fixada pelo TST, e requerendo que o comum acordo tácito seja reconhecido judicialmente.
- Orientação interna: recomendar que o sindicato adote práticas internas para sistematizar a comunicação negocial: convocações por escrito, registros de ausências, justificativas, e respostas formais às negativas patronais, para fortalecer a prova no processo judicial.
- Minimizar riscos: avaliar riscos de retaliação ou desgaste institucional, mas lembrar que a decisão do TST legitima a judicialização como resposta à recusa infundada, não apenas como última alternativa.
Possíveis consequências para o ambiente de trabalho
A partir do novo entendimento, pode haver mudanças estruturais importantes nas negociações coletivas no Brasil. A decisão tende a dissuadir manobras estratégicas por parte de sindicatos patronais ou empresas que sistematicamente se recusavam a negociar.
Isso pode fortalecer a cultura de diálogo, porque negociar passa a ter consequências jurídicas reais.
Por outro lado, para categorias com sindicatos mais frágeis, a via judicial pode se tornar uma opção mais frequente para resolver impasses econômicos, reduzindo a dependência exclusiva da greve como instrumento de pressão.
Além disso, a decisão pode aumentar a formalização das negociações: será mais provável que sindicatos documentem cada etapa, que elaborem pautas bem estruturadas e que empregadores respondam às convocações de modo mais rigoroso.
Prazos Trabalhistas: Como contar prazos processuais na CLT?

Comparação com normas internacionais e boa-fé
A decisão do TST dialoga diretamente com as normas internacionais. As Convenções da OIT citadas reforçam que a negociação coletiva deve ser promovida e incentivada pelo Estado e pelos atores sociais.
A Convenção 98 trata da proteção ao direito de organização, enquanto a Convenção 154 exige que os Estados estimulem a negociação coletiva voluntária.
Ao interpretar a recusa arbitrária como violação desses padrões, o TST alinha o sistema jurídico brasileiro a uma visão mais moderna da negociação coletiva, baseada na cooperação e no dever de negociar de boa-fé.
Do ponto de vista da boa-fé objetiva, a decisão reforça que a negociação coletiva é mais do que um procedimento formal: é um processo simétrico, que exige compromisso real de ambas as partes.
Quando uma parte age de forma estratégica para boicotar a negociação, ela fere esse dever e legitima a via judicial como resposta.
Para advogados, essa fundamentação é estratégica: é possível pedir ao Judiciário que reconheça a recusa arbitrária como base para o dissídio, com referência direta à tese firmada pelo TST.
TST amplia acesso ao dissídio coletivo econômico
A tese fixada pelo TST atinge um ponto sensível da negociação coletiva: ela redefine quando o “comum acordo” pode ser considerado suprido, mesmo na ausência de formalidade, se houver recusa arbitrária para negociar.
Essa decisão tem efeitos profundos para sindicatos, empresas, advogados e trabalhadores, porque amplia a possibilidade de judicialização em situações de impasse estratégico.
Para advogados trabalhistas, a decisão representa uma oportunidade concreta de fortalecer a defesa coletiva: permite argumentar com base na boa-fé objetiva, estruturar provas documentais desde a fase negocial, e buscar na Justiça do Trabalho a instauração do dissídio coletivo mesmo quando a outra parte se recusa a dialogar.
Por fim, a decisão reforça a importância de uma negociação sincera, leal e bem documentada.
Em um cenário ideal, espera-se que a decisão estimule não apenas a judicialização, mas também a cultura de compromisso nas mesas de negociação, fortalecendo a democracia sindical e a igualdade entre as partes no processo negocial.
Confira nosso modelo de Reclamação Trabalhista
O que significa a recusa arbitrária em negociar e como ela autoriza o dissídio coletivo na Justiça do Trabalho?
A recusa arbitrária ocorre quando o sindicato patronal ou empresa se nega a participar das negociações de forma injustificada, faltando repetidamente às reuniões ou abandonando as tratativas sem motivo válido.
O TST decidiu que essa conduta viola a boa-fé objetiva e pode ser interpretada como um “comum acordo tácito”, permitindo que o sindicato dos trabalhadores ajuíze o dissídio coletivo econômico mesmo sem o acordo formal da outra parte.
A Emenda Constitucional 45/2004 continua exigindo comum acordo para dissídio coletivo?
Sim, o requisito do comum acordo previsto no artigo 114, § 2º da Constituição Federal continua valendo. Porém, o TST estabeleceu que esse acordo não precisa ser expresso ou formalizado quando houver recusa arbitrária em negociar.
Nesse caso, a própria recusa injustificada e repetida configura o comum acordo de forma tácita, permitindo o acesso à Justiça do Trabalho.
Quais provas o sindicato precisa apresentar para comprovar a recusa arbitrária?
O sindicato deve documentar toda a fase de negociação, incluindo convocações para reuniões, atas dos encontros realizados, registros de ausências da parte patronal, justificativas apresentadas (ou não) para as faltas, e-mails e correspondências trocadas.
É fundamental demonstrar um padrão de comportamento que evidencie a recusa estratégica em dialogar, fortalecendo o argumento de violação da boa-fé objetiva.
Essa decisão do TST se aplica apenas a sindicatos ou também a empresas individuais?
A decisão se aplica tanto a sindicatos patronais quanto a integrantes individuais da categoria econômica.
Isso significa que uma empresa específica que se recuse arbitrariamente a negociar também pode estar sujeita ao ajuizamento de dissídio coletivo pelo sindicato dos trabalhadores, desde que fique caracterizada a recusa injustificada e repetida em participar das negociações.
Como essa decisão muda a dinâmica das negociações coletivas no Brasil?
A decisão impõe um dever real de negociar às empresas e sindicatos patronais, pois a recusa injustificada pode levar à judicialização. Isso estimula uma participação mais genuína nas mesas de negociação, não apenas formal, mas com disposição efetiva para dialogar.
Também aumenta a importância de documentar adequadamente todas as etapas da negociação e fortalece a posição dos sindicatos de trabalhadores ao garantir uma via judicial quando houver impasse causado por má-fé da outra parte.




