O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) decidiu, por oito votos a seis com uma abstenção, reconhecer a presunção legal de hipossuficiência para concessão da justiça gratuita e dispensar o esgotamento da via administrativa como condição prévia para propositura de demandas judiciais.
Desse modo, o entendimento, com caráter normativo vinculante, representa avanço significativo na proteção do acesso à justiça e na simplificação de procedimentos para advogados(as), especialmente em demandas consumeristas e previdenciárias.

O que exatamente decidiu o CNJ sobre a presunção de hipossuficiência?
O Plenário do CNJ consolidou que a declaração de hipossuficiência deve ser aceita como regra para concessão da justiça gratuita, estabelecendo verdadeira presunção legal em favor do declarante.
A exigência de documentos adicionais para comprovação só pode ocorrer em caráter de contraprova, mediante elementos concretos que infirmem a declaração do interessado, em consonância com o CPC e a Lei 1.060/1950.
Ementa: Direito Administrativo. Consulta. Recomendação CNJ nº 159/2024 (itens 1, Anexo “A”, e 10, Anexo “B”). Interpretação de Diretrizes sobre Litigância Abusiva. Requerimentos de justiça gratuita. comprovação documental Admitida em caráter de contraprova. respeito à presunção legal. Esgotamento da via administrativa. Não obrigatoriedade, exceto expressa previsão legal ou nas hipóteses reconhecidas pela jurisprudência consolidada. Consulta Respondida.
I. Caso em exame
1. Consulta sobre a interpretação dos itens 1 do Anexo A e 10 do Anexo B da Recomendação CNJ nº 159/2024, que orienta sobre a identificação e prevenção da litigância abusiva.
II. Questões em discussão
2. A questão em discussão consiste em: (i) saber se a exigência de comprovação de hipossuficiência para a concessão da gratuidade da justiça pode ser imposta sem elementos concretos que a justifiquem; (ii) saber se o prévio esgotamento da via administrativa é condição obrigatória para o ajuizamento de ações judiciais.
III. Razões de decidir
3. A presunção legal de hipossuficiência, prevista no art. 99, §§ 2º e 3º, do CPC/2015, deve ser respeitada, sendo a exigência de comprovação admitida em caráter de contraprova, quando houver elementos concretos que a infirmem. 4. A exigência de esgotamento da via administrativa não é obrigatória, exceto nas hipóteses previstas em lei ou jurisprudência consolidada, garantindo o acesso à justiça.
IV. Dispositivo e tese
6. Consulta respondida. Tese de julgamento: (i) a Recomendação CNJ nº 159/2024 visa prevenir abusos processuais sem restringir direitos fundamentais; (ii) a exigência de comprovação documental de hipossuficiência deve respeitar a presunção legal (art. 99, §§ 2º e 3º do CPC e art. 1º da Lei 7.115/1983), sendo admitida em caráter de contraprova, quando houver elementos concretos que a infirmem; (iii) o esgotamento da via administrativa não é condição obrigatória para o interesse de agir, exceto expressa previsão legal ou nas hipóteses reconhecidas pela jurisprudência consolidada; (iv) recomenda-se a interpretação sistemática das diretrizes estabelecidas pela Recomendação CNJ nº 159/2024, aplicando-a com cautela e de forma fundamentada, respeitando-se outros direitos e garantias fundamentais, de forma assegurar a segurança jurídica e a eficiência na prestação jurisdicional.
Dispositivos relevantes citados: art. 5º, XXXV, da CF/1988; art. 99, §§ 2º e 3º, do CPC/2015; art. 1º da Lei 7.115/1983; art. 4º, 4, da Convenção sobre Direitos das Pessoas com Deficiência; art. 10, 2, da Convenção Contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes; art. 29, “b”, da Convenção Americana de Direitos Humanos.
Jurisprudência relevante citada: STF, Temas 350 e 1.105 de Repercussão Geral; STF, ARE 1.367.504-AgR-segundo, Rel. Dias Toffoli, Dje 8/8/2022; STJ, AgRg no AREsp 147.678/RJ, Rel. Eliana Calmon, Segunda Turma, j. 05/05/2013; CNJ, Ato Normativo n° 0006309-27.2024.2.00.0000, Rel. Luís Roberto Barroso, 13ª Sessão Ordinária de 2024, j. 22/10/2024.
Como fica a questão da via administrativa prévia após a decisão?
O CNJ reafirmou que o esgotamento da via administrativa não é condição obrigatória para o interesse de agir, salvo quando houver determinação legal expressa ou jurisprudência pacificada dos tribunais superiores.
Assim, o posicionamento prestigia o princípio constitucional da inafastabilidade da jurisdição (art. 5º, XXXV, CF) e remove obstáculo frequentemente utilizado para impedir o acesso direto ao Judiciário em relações de consumo, questões previdenciárias e outros litígios com entes públicos.
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Qual é o alcance prático dessa decisão para advogados?
Benefícios imediatos:
- Simplificação probatória: desnecessidade de instrução exaustiva para comprovar hipossuficiência econômica;
- Celeridade processual: dispensa de tentativas administrativas prévias em grande parte dos casos;
- Redução de custos: eliminação de gastos com documentação probatória específica sobre condição econômica;
- Segurança jurídica: orientação uniforme para todo o Judiciário nacional sobre esses temas;
- Maior viabilidade econômica para demandas de pequeno valor;
- Facilitação do acesso à justiça para camadas mais vulneráveis da população;
- Redução de entraves burocráticos que desestimulavam a judicialização.
Em quais hipóteses ainda será possível questionar a hipossuficiência?
A declaração de hipossuficiência poderá ser questionada apenas quando houver elementos concretos que a contradigam, tais como:
- Patrimônio incompatível com a declaração (bens de alto valor, investimentos substanciais);
- Renda comprovadamente superior aos parâmetros de vulnerabilidade;
- Atividade profissional ou empresarial que demonstre capacidade econômica;
- Lifestyle evidenciado em redes sociais ou outros meios que contrarie a alegação.
A simples dúvida ou suspeita genérica não autoriza a exigência de documentação adicional, devendo o questionamento estar fundamentado em provas objetivas.
Quais áreas do direito são mais beneficiadas pela decisão?
Direito do Consumidor:
- Ações contra operadoras de telefonia, energia elétrica e serviços bancários;
- Demandas por danos morais e materiais em relações de consumo;
- Questionamentos sobre cobranças indevidas e práticas abusivas.
Direito Previdenciário:
- Ações para concessão e revisão de benefícios do INSS;
- Questionamentos sobre indeferimentos administrativos;
- Pedidos de aposentadoria e auxílios diversos.
Direito Civil e Família:
- Ações indenizatórias de menor complexidade;
- Demandas alimentares e de guarda;
- Questões sucessórias envolvendo patrimônio modesto.
Quais cuidados os(as) advogados(as) devem ter ao aplicar a decisão?
Documentação estratégica:
- Manter declaração de hipossuficiência fundamentada e verossímil;
- Documentar tentativas administrativas quando realizadas (para demonstrar boa-fé);
- Preservar consistência entre alegações e realidade socioeconômica do cliente.
Fundamentação processual:
- Citar expressamente a decisão do CNJ em pedidos de justiça gratuita;
- Invocar o caráter normativo da orientação para afastar exigências locais divergentes;
- Demonstrar enquadramento do caso nas diretrizes estabelecidas.
Gestão de expectativas:
- Esclarecer ao cliente que a dispensa não elimina a necessidade de fundamentação mínima;
- Orientar sobre comportamentos que podem gerar questionamentos posteriores;
- Manter transparência sobre riscos de eventual impugnação fundamentada.

Qual é a força normativa dessa decisão?
Por ser emanada do CNJ, no exercício de sua competência administrativa e de uniformização, a decisão tem caráter normativo vinculante para todo o Judiciário nacional.
Tribunais e juízes de primeiro grau devem observar as diretrizes estabelecidas, sob pena de caracterizar divergência injustificada com orientação superior. A decisão integra o sistema de precedentes administrativos do Poder Judiciário.
Como operacionalizar essas mudanças na prática diária?
Modelos de petição:
- Atualizar minutas para incluir referência expressa à decisão do CNJ;
- Simplificar fundamentação sobre hipossuficiência e dispensa de via prévia;
- Criar checklist para verificação de enquadramento nos novos parâmetros;
- Desenvolver argumentações padronizadas para casos de questionamento;
- Estabelecer fluxos para identificação de situações de risco.
Relacionamento com clientes:
- Esclarecer as facilidades introduzidas pela decisão;
- Orientar sobre comportamentos que preservem a coerência das alegações;
- Documentar adequadamente a condição socioeconômica quando necessário.
Desburocratização e justiça gratuita: Avanço do CNJ
A decisão do CNJ marca mudança paradigmática na interpretação dos requisitos para acesso à justiça gratuita e dispensa de vias administrativas prévias.
Para a advocacia, representa oportunidade de ampliar significativamente o atendimento a camadas vulneráveis da população, com redução de custos operacionais e maior segurança jurídica.
Portanto, o entendimento alinha-se com a tendência contemporânea de desburocratização do acesso à justiça e fortalecimento dos direitos fundamentais.
Advogados(as) que souberem aplicar adequadamente essas diretrizes ganharão vantagem competitiva e contribuirão para democratização efetiva do sistema judicial brasileiro.
Por fim, a implementação bem-sucedida dessas mudanças exigirá atualização de práticas, capacitação técnica e compreensão estratégica dos novos parâmetros, mas oferece em contrapartida ambiente mais favorável para defesa dos direitos de cidadãos em situação de vulnerabilidade socioeconômica.
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A decisão do CNJ afeta apenas os tribunais federais ou se aplica também à Justiça Estadual?
A decisão do CNJ possui caráter normativo vinculante para todo o Poder Judiciário nacional, incluindo Justiça Federal e Estadual.
Isso significa que juízes de primeiro grau e desembargadores de todos os tribunais do país devem observar as diretrizes estabelecidas.
Na prática, tribunais estaduais que vinham exigindo documentação específica para concessão da justiça gratuita (contracheques, declarações de imposto de renda, extratos bancários) não podem mais fazê-lo sem elementos concretos que contradigam a declaração de hipossuficiência.
Importante: Caso algum juiz ou tribunal descumpra a orientação, o(a) advogado(a) pode invocar expressamente a força vinculante da decisão do CNJ.
Como proceder quando o cliente já tentou a via administrativa, mas foi indeferido? Isso fortalece ou enfraquece o caso?
A tentativa administrativa prévia, mesmo quando indeferida, fortalece significativamente o caso por demonstrar boa-fé processual e interesse legítimo na resolução do conflito.
Com a decisão do CNJ, essa tentativa deixa de ser obrigatória, mas, quando existe, agrega valor estratégico.
Vantagens da tentativa administrativa prévia:
– Demonstra que o cliente buscou solução consensual antes da judicialização;
– Comprova a resistência da parte contrária, evidenciando a necessidade de intervenção judicial;
– Fornece elementos fáticos e documentais que podem ser úteis na instrução processual;
Reduz o risco de questionamentos sobre litigância de má-fé.
Estratégia processual: Sempre mencione na petição inicial as tentativas administrativas realizadas, mesmo que dispensáveis, pois isso reforça a legitimidade da demanda e pode influenciar positivamente o julgador quanto aos aspectos de litigância responsável.
É possível aplicar a decisão do CNJ retroativamente para casos em que a justiça gratuita foi indeferida por falta de documentação?
Sim, é plenamente possível e recomendável. A decisão do CNJ tem natureza interpretativa de normas já existentes (art. 99 do CPC e Lei 1.060/1950), não criando direito novo, mas esclarecendo a aplicação correta de dispositivos vigentes.
Instrumentos processuais cabíveis:
– Agravo de instrumento contra decisão que indeferiu justiça gratuita por exigência documental indevida;
– Pedido de reconsideração fundamentado na nova orientação do CNJ;
– Correição parcial quando houver manifesta ilegalidade na exigência documental;
– Embargos de declaração se a decisão não analisou adequadamente a presunção legal.
Fundamentação sugerida: Invocar que a orientação do CNJ apenas explicitou interpretação correta já decorrente do ordenamento jurídico, não havendo direito adquirido à aplicação incorreta da lei, especialmente quando isso restringe direito fundamental de acesso à justiça.
Como lidar com juízes que resistem em aplicar a decisão do CNJ e continuam exigindo documentação específica?
A resistência judicial à aplicação da decisão do CNJ configura divergência injustificada com orientação normativa superior, podendo ser combatida por meio de várias estratégias:
Estratégias processuais imediatas:
– Petição educativa: apresentar memorial explicando a força vinculante da decisão CNJ, anexando o texto integral do julgamento;
– Agravo de instrumento: contra decisões que mantenham exigências documentais indevidas;
– Correição parcial: para casos de manifesta ilegalidade na interpretação.
Fundamentação técnica essencial:
– Citar expressamente o caráter normativo da decisão CNJ;
– Invocar os dispositivos constitucionais e legais mencionados na decisão (art. 5º, XXXV, CF; art. 99, §§ 2º e 3º, CPC);
– Demonstrar que a resistência viola o princípio da inafastabilidade da jurisdição.
Dica estratégica: Documente todas as tentativas de aplicação da decisão CNJ para eventual representação por descumprimento de orientação superior, se a resistência persistir.
A decisão do CNJ impede totalmente a análise da hipossuficiência ou apenas transfere o ônus da prova?
A decisão não impede a análise, mas estabelece regime probatório específico que favorece o declarante: a hipossuficiência é presumida e só pode ser afastada mediante contraprova fundamentada.
Regime probatório estabelecido:
– Ônus inicial: recai sobre quem declara hipossuficiência (simples declaração);
– Ônus da contraprova: recai sobre quem questiona a declaração (elementos concretos obrigatórios);
– Standard probatório: presunção legal que só cede diante de evidências objetivas contrárias.
Elementos que autorizam questionamento:
– Patrimônio comprovadamente incompatível (imóveis de alto valor, veículos de luxo);
– Renda documentalmente superior aos parâmetros de vulnerabilidade;
– Atividade empresarial ou profissional que denote capacidade econômica;
– Inconsistências evidentes entre declaração e realidade socioeconômica.
Elementos que NÃO autorizam questionamento: suspeitas genéricas, dúvidas infundadas, meras especulações ou preconceitos socioeconômicos.
Como a decisão do CNJ impacta a estratégia de honorários advocatícios e a sustentabilidade dos escritórios?
A decisão gera impactos positivos significativos na sustentabilidade econômica da advocacia voltada para camadas populares, criando novo paradigma de viabilidade financeira:
Impactos positivos na receita:
– Ampliação da base de clientes: pessoas antes desencorajadas pelos custos processuais tornam-se viáveis economicamente;
– Redução de custos operacionais: eliminação de gastos com documentação probatória específica sobre condição econômica;
– Maior previsibilidade: redução significativa do risco de indeferimento da justiça gratuita;
– Celeridade processual: dispensa de tentativas administrativas acelera o início dos processos.
Oportunidades de mercado:
– Advocacia consumerista: facilitação de demandas contra prestadores de serviços essenciais;
– Direito previdenciário: simplificação do acesso a benefícios do INSS;
– Demandas de massa: viabilização de ações repetitivas com baixo custo unitário;
Advocacia preventiva: orientação sobre direitos torna-se mais acessível.
Estratégias de precificação:
– Honorários por resultado: maior viabilidade dado o aumento da taxa de sucesso;
– Pacotes de serviços: combinação de orientação + propositura de ação;
– Parcelamento facilitado: redução de custos permite condições mais flexíveis.
– Gestão de risco: Manter critérios rigorosos de seleção de casos para preservar a coerência das declarações de hipossuficiência e evitar questionamentos que possam prejudicar a reputação profissional.