O Supremo Tribunal Federal consolidou um entendimento que altera, de forma direta, a forma como o Estado brasileiro protege mulheres vítimas de violência doméstica.
Ao decidir que o afastamento do trabalho, determinado como medida protetiva, deve vir acompanhado da garantia de renda, a Corte enfrentou uma lacuna histórica que expunha mulheres à vulnerabilidade econômica justamente no momento em que mais precisam de proteção institucional.
Dessa forma, a decisão estabelece regras objetivas sobre quem deve arcar com o pagamento durante o período de afastamento, preserva o vínculo empregatício, alcança também mulheres sem vínculo formal de trabalho e autoriza o ressarcimento dos valores junto ao agressor.
Trata-se de um posicionamento que amplia a efetividade da Lei Maria da Penha ao reconhecer que a proteção contra a violência não se limita à integridade física, mas envolve, necessariamente, a segurança financeira e a dignidade da vítima.
O que o STF decidiu sobre o salário de mulheres afastadas por violência doméstica?
O STF decidiu, no Tema 1370, que mulheres afastadas do trabalho por violência doméstica têm direito à remuneração durante o afastamento, com responsabilidade compartilhada entre empregador, INSS ou assistência social, dependendo da situação, conforme determinação judicial.
A Lei Maria da Penha já prevê que, em situações de violência, a mulher pode ser afastada do local de trabalho por até seis meses sem perder o vínculo empregatício.
Contudo, havia incerteza sobre quem deveria pagar a remuneração durante esse período.
A Corte decidiu que essa proteção deve abranger também a esfera econômica da vítima, de modo a não deixá-la desprotegida financeiramente.
Confira a tese de repercussão geral fixada no Tema 1370 do STF:
“1) Compete ao juízo estadual, no exercício da jurisdição criminal, especialmente aquele responsável pela aplicação da Lei nº 11.340/2006 (Lei Maria da Penha), fixar a medida protetiva prevista no art. 9º, § 2º, II, da referida lei, inclusive quanto à requisição de pagamento de prestação pecuniária em favor da vítima afastada do local de trabalho, ainda que o cumprimento material da decisão fique sob o encargo do INSS e do empregador;
2) Nos termos do que dispõe o art. 109, I, da Constituição Federal, compete à Justiça Federal processar e julgar as ações regressivas que, com fundamento no art. 120, II, da Lei nº 8.213/1991, deverão ser ajuizadas pela Autarquia Previdenciária Federal contra os responsáveis nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher;
3) A expressão constante da Lei (“vínculo trabalhista”) deve abranger a proteção da mulher visando à manutenção de sua fonte de renda, qualquer que seja ela, da qual tenha que se afastar em face da violência sofrida, conforme apreciação do Poder Judiciário. A prestação pecuniária decorrente da efetivação da medida protetiva prevista no art. 9º, § 2º, II, da Lei nº 11.340/2006 possui natureza previdenciária ou assistencial, conforme o vínculo jurídico da mulher com a seguridade social:
(i) previdenciária, quando a mulher for segurada do Regime Geral de Previdência Social, como empregada, contribuinte individual, facultativa ou segurada especial, hipótese em que a remuneração dos primeiros 15 dias será de responsabilidade do empregador (quando houver), e o período subsequente será custeado pelo INSS, independentemente de cumprimento de período de carência. No caso de inexistência de relação de emprego de segurada do Regime Geral de Previdência Social, o benefício será arcado integralmente pelo INSS;
(ii) assistencial, quando a mulher não for segurada da previdência social, hipótese em que a prestação assume natureza de benefício eventual decorrente de vulnerabilidade temporária, cabendo ao Estado, na forma da Lei nº 8.742/1993 (LOAS), prover a assistência financeira necessária. Nesse caso, o juízo competente deverá atestar que a mulher destinatária da medida de afastamento do local de trabalho não possuirá, em razão de sua implementação, quaisquer meios de prover a própria manutenção.
Tudo nos termos do voto do Relator, Ministro Flávio Dino. Plenário, Sessão Virtual de 5.12.2025 a 15.12.2025.”
Quais são os principais pontos da decisão do STF?
A decisão do STF estabeleceu regras sobre o custeio da remuneração da mulher afastada por violência doméstica, organizadas conforme o vínculo trabalhista e previdenciário:
Até seis meses de afastamento: a mulher tem direito a receber remuneração durante esse período, mantendo intacto o vínculo de emprego, salvo situações excepcionais.
Responsabilidade do empregador: nos casos de trabalhador com vínculo formal, o empregador deve pagar os primeiros 15 dias de afastamento, como ocorre em afastamentos por incapacidade temporária.
Responsabilidade do INSS: após os 15 dias iniciais, o pagamento do benefício previdenciário é assumido pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) para mulheres que contribuem para o Regime Geral de Previdência Social.
Assistência social para não seguradas: quando a vítima não possui vínculo formal nem qualidade de segurada, o pagamento será feito por meio de benefício assistencial temporário, com base na Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS).
Ação regressiva: o INSS poderá exercer direito regressivo contra o agressor para reaver os valores pagos durante o período de afastamento, o que poderá ser julgado pela Justiça Federal.
Quem determina o afastamento e o pagamento?
A Corte também firmou entendimento sobre a competência para determinar o afastamento e o pagamento associado:
A competência para aplicar a medida protetiva de afastamento do trabalho, prevista na Lei Maria da Penha, continua a cargo da Justiça Estadual, no âmbito criminal, ainda que envolva a requisição de pagamento por parte do INSS ou do empregador.
Quando o INSS busca ressarcimento por meio de ação regressiva, essa ação deve tramitar na Justiça Federal, conforme entendimento doutrinário aplicado pelo STF.
Quais objetivos a decisão busca atingir?
A decisão do STF tem por objetivo preencher uma lacuna jurídica importante, promovendo proteção econômica à mulher vítima de violência doméstica durante um período de vulnerabilidade, de modo que a sua integridade física e psicológica seja preservada sem comprometimento de sua renda.
Ao estabelecer que a remuneração deve ser mantida, a Corte busca evitar que mulheres em situação de violência sejam forçadas a permanecer em ambiente hostil por motivos econômicos, o que fragiliza a efetividade das medidas protetivas.
Como a decisão afeta empregadores?
Empregadores precisarão cumprir a determinação de pagamento dos primeiros 15 dias de afastamento quando a mulher tem vínculo formal de trabalho e tiver medida protetiva.
Esse modelo é semelhante ao aplicado em afastamentos por doença, em que a responsabilidade inicial de custear os primeiros dias cabe ao empregador.
Para o restante do período, o pagamento passa a ser de responsabilidade do INSS, mitigando o impacto financeiro direto sobre a empresa. Isso proporciona previsibilidade jurídica aos empregadores quanto ao custeio desses afastamentos.
Como a decisão beneficia as trabalhadoras?
A decisão garante que a mulher mantenha a fonte de renda por até seis meses enquanto se afasta por razões de segurança, o que pode ser crucial para permitir a sua recuperação física, psicológica e social após episódios de violência.
Ao assegurar que o vínculo empregatício não seja rompido e que a remuneração continue a ser paga, seja por meio de salário regular nos primeiros dias ou por benefício, a decisão promove estabilidade previdenciária e social.
Qual é a natureza do benefício?
Para seguradas da Previdência Social, o benefício pago pelo INSS após os 15 dias iniciais tem natureza previdenciária, ainda que não decorra de incapacidade para o trabalho nos moldes clássicos de auxílio-doença.
Isso decorre da interpretação do STF de que a proteção conferida pela Lei Maria da Penha integra a proteção social do Estado.
Quando a mulher não é segurada nem possui vínculo formal, a proteção econômica será prestada por meio de benefício assistencial temporário, conforme as regras da LOAS, para garantir renda mínima durante o afastamento.
Considerações finais sobre a decisão
A fixação de regras pelo STF no Tema 1370 representa um avanço no direito das mulheres e na efetividade das medidas protetivas, ao integrar a dimensão econômica à proteção contra a violência doméstica.
Essa integração é fundamental para que a mulher não enfrente vulnerabilidade financeira simultaneamente à necessidade de se afastar de situações de risco.
A decisão também confere clareza aos operadores do direito, empregadores e instituições públicas sobre suas obrigações e competências, fortalecendo a segurança jurídica em um tema de grande impacto social.
Em função de sua repercussão geral, o entendimento do STF deverá orientar decisões em instâncias inferiores por todo o país, contribuindo para uniformizar a proteção econômica de mulheres em situação de violência doméstica.
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Mulheres afastadas por violência doméstica têm direito a receber salário?
Sim. O STF decidiu que mulheres afastadas do trabalho por medida protetiva de violência doméstica têm direito à remuneração durante todo o período de afastamento, que pode ser de até seis meses.
O pagamento é dividido entre empregador (primeiros 15 dias) e INSS (período restante), garantindo que a vítima não fique desprotegida financeiramente.
Como funciona o pagamento durante o afastamento para quem tem carteira assinada?
Para trabalhadoras com vínculo formal, o empregador é responsável pelo pagamento dos primeiros 15 dias de afastamento.
Após esse período, o INSS assume o pagamento do benefício previdenciário até o fim do afastamento, que pode durar até seis meses, conforme determinação judicial.
E quem não tem carteira assinada? Também recebe algum benefício?
Sim. Mulheres que não possuem vínculo formal de trabalho nem são seguradas da Previdência Social têm direito a receber um benefício assistencial temporário, pago com base na Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), garantindo renda mínima durante o período de afastamento.
O agressor pode ser obrigado a pagar os valores do afastamento?
Sim. O STF estabeleceu que o INSS pode exercer ação regressiva contra o agressor para reaver os valores pagos durante o período de afastamento. Essa ação tramita na Justiça Federal e permite que o Estado recupere os recursos gastos com a proteção da vítima.
Quem determina o afastamento e qual Justiça é competente?
A medida protetiva de afastamento do trabalho é determinada pela Justiça Estadual, no âmbito criminal, conforme previsto na Lei Maria da Penha.
Essa competência permanece com a Justiça Estadual mesmo quando há requisição de pagamento ao INSS ou empregador. Apenas as ações regressivas do INSS contra o agressor tramitam na Justiça Federal.
O vínculo de emprego é mantido durante o afastamento?
Sim. A decisão do STF preserva o vínculo empregatício durante todo o período de afastamento, que pode durar até seis meses.
Isso significa que a trabalhadora mantém seus direitos trabalhistas e previdenciários essenciais, não podendo ser demitida em razão do afastamento por violência doméstica.




