A ação popular representa um dos mais importantes instrumentos de cidadania e controle social da Administração Pública no ordenamento jurídico brasileiro.
Inscrita no artigo 5º, inciso LXXIII da Constituição Federal e regulamentada pela Lei nº 4.717/1965, ela concretiza o princípio republicano de que todo poder emana do povo, permitindo que qualquer cidadão possa questionar judicialmente atos administrativos potencialmente lesivos aos interesses coletivos.
Para o advogado que atua no contencioso público, compreender a fundo este instituto não é apenas uma necessidade técnica, mas uma exigência estratégica, dado que a ação popular pode representar um risco significativo a contratos públicos, decisões administrativas e à própria reputação dos gestores e entidades envolvidas.
A seguir, destacamos aspectos práticos e táticos para lidar com esse tipo de ação, com foco nas hipóteses constitucionais e nas linhas de defesa mais relevantes na jurisprudência atual. Acompanhe!
Hipóteses Constitucionais: Base para Propositura da Ação Popular
A Constituição de 1988 ampliou significativamente o escopo da ação popular em relação à sua previsão original, estabelecendo como objetos de proteção:
- Patrimônio público: compreendido não apenas como o conjunto de bens materiais da Administração, mas todo o acervo de recursos e valores disponíveis para a consecução do interesse público.
- Moralidade administrativa: princípio constitucional autônomo que transcende a mera legalidade formal, exigindo que o administrador atue com probidade, honestidade de propósito e lealdade institucional.
- Meio ambiente: inovação constitucional que possibilitou o controle popular direto sobre atos potencialmente lesivos aos recursos naturais e ao equilíbrio ecológico.
- Patrimônio histórico e cultural: proteção aos bens materiais e imateriais que compõem a identidade e a memória coletivas, independentemente de tombamento formal.
Estratégias de Acusação na Ação Popular
Para o advogado que atua no polo ativo da ação popular, representando o cidadão que busca anular atos lesivos ao interesse público, existem estratégias específicas que podem maximizar as chances de êxito:
Fundamentação Robusta da Petição Inicial
A petição inicial em ação popular deve ser construída com especial atenção aos seguintes elementos:
- Identificação precisa do ato impugnado: é fundamental delimitar com clareza qual o ato administrativo questionado, evitando impugnações genéricas. A jurisprudência tem sido rigorosa quanto à necessidade de indicação específica do ato, sua data, autoridade que o praticou e publicação oficial.
- Demonstração da lesividade concreta ou potencial: o STJ tem exigido que o autor popular demonstre, desde a inicial, indícios concretos da lesão causada pelo ato impugnado, seja ao erário, à moralidade administrativa, ao meio ambiente ou ao patrimônio histórico-cultural. Recomenda-se a apresentação de estudos técnicos preliminares, comparativos de preços, ou pareceres que evidenciem a potencialidade lesiva.
- Fundamentação constitucional adequada: a vinculação do pedido a uma das hipóteses constitucionais específicas (patrimônio público, moralidade administrativa, meio ambiente ou patrimônio histórico-cultural) deve ser explícita e tecnicamente fundamentada, evitando alegações genéricas de ilegalidade.
- Comprovação da cidadania ativa: a juntada de título de eleitor ou certidão de quitação eleitoral é imprescindível para demonstrar a legitimidade ativa. A jurisprudência tem exigido que esta prova seja apresentada com a inicial, sob pena de indeferimento.

Produção Probatória Estratégica
O sucesso da ação popular frequentemente depende da capacidade do autor de produzir provas convincentes da ilegalidade e lesividade do ato:
- Utilização da inversão do ônus da prova: a Lei 4.717/65 prevê em seu art. 1º, §4º, que “para instruir a inicial, o cidadão poderá requerer às entidades públicas as certidões e informações que julgar necessárias, bastando para isso indicar a finalidade”. A recusa injustificada ou o retardamento na entrega podem implicar presunção de veracidade dos fatos alegados.
- Pedidos de exibição de documentos: o autor popular pode requerer que o réu exiba documentos essenciais à demonstração dos fatos alegados, como processos administrativos completos, estudos técnicos que fundamentaram a decisão, pareceres jurídicos e técnicos, entre outros.
- Prova pericial específica: em casos que envolvam questões técnicas complexas (como superfaturamento, impacto ambiental ou valor histórico), a perícia técnica especializada pode ser decisiva. O autor deve formular quesitos precisos, que direcionem a análise pericial para os pontos controversos mais favoráveis à sua tese.
- Uso estratégico da prova emprestada: evidências produzidas em outros processos administrativos ou judiciais, como inquéritos civis públicos, processos do Tribunal de Contas ou ações de improbidade, podem ser incorporadas à ação popular, ampliando o acervo probatório disponível.
Medidas Cautelares e Tutelas Provisórias
O manejo adequado das tutelas provisórias pode ser determinante para o sucesso da ação popular:
- Tutela de urgência bem fundamentada: o pedido de tutela provisória deve demonstrar não apenas a plausibilidade do direito invocado (fumus boni iuris), mas também o risco concreto de dano irreparável ou de difícil reparação (periculum in mora). Recomenda-se a individualização dos requisitos legais e sua vinculação a provas já disponíveis nos autos.
- Pedido de suspensão imediata do ato: em casos onde a continuidade do ato impugnado possa gerar danos graves ou de difícil reparação (como obras com impacto ambiental ou pagamentos continuados), o pedido de suspensão liminar do ato é estratégico e pode evitar a consumação do dano.
- Caução substitutiva: para neutralizar argumentos de periculum in mora inverso, o autor popular pode, em alguns casos, oferecer caução para garantir eventuais prejuízos decorrentes da suspensão do ato, especialmente em contratos administrativos de grande vulto.
- Acompanhamento diligente do cumprimento: uma vez deferida a tutela provisória, é fundamental o monitoramento ativo de seu cumprimento, com apresentação de petições de acompanhamento e, se necessário, pedido de aplicação de multa por descumprimento.
Articulação Institucional e Atuação Integrada
A eficácia da ação popular pode ser potencializada pela articulação com outros atores institucionais:
- Comunicação ao Ministério Público: Embora o MP seja litisconsorte obrigatório na ação popular, uma comunicação prévia e bem instruída ao órgão ministerial pode assegurar sua atuação mais efetiva no processo, inclusive com possibilidade de produção complementar de provas.
- Articulação com os Tribunais de Contas: Informações de processos em trâmite nos Tribunais de Contas podem fornecer elementos técnicos valiosos para fundamentar a ação popular. O autor pode requerer ao juízo que solicite informações a esses órgãos sobre o ato impugnado.
- Envolvimento de organizações da sociedade civil: Entidades com expertise técnica na matéria objeto da ação podem atuar como amicus curiae, fortalecendo a argumentação técnica e a legitimidade social da demanda.
- Uso estratégico da mídia e transparência: A publicidade dos atos processuais e a comunicação clara sobre os objetivos da ação popular podem ampliar o controle social sobre o processo e dificultar manobras protelatórias dos réus.
Estratégias de Defesa na Ação Popular
Confira a seguir estratégias de defesa na ação popular:
Controle Rigoroso dos Pressupostos Processuais
O primeiro eixo estratégico de defesa consiste na avaliação meticulosa dos pressupostos processuais específicos da ação popular, que podem ser explorados para obter o encerramento prematuro do processo:
- Comprovação da cidadania ativa: a legitimidade para propositura da ação popular é restrita ao cidadão em pleno gozo dos direitos políticos. A jurisprudência consolidou que esta condição deve ser comprovada logo na petição inicial, mediante apresentação de título eleitoral válido ou certidão equivalente. A ausência desta prova constitui causa para indeferimento da inicial (Art. 1º, §3º da Lei 4.717/65).
- Especificidade do ato impugnado: a petição inicial deve indicar com precisão qual ato administrativo está sendo questionado, sua autoria e as circunstâncias de sua prática. Contestações que demonstrem a impugnação genérica de “políticas” ou “diretrizes” sem materialização em ato específico têm obtido êxito nos tribunais.
- Prova indiciária da lesividade: embora não se exija prova cabal do dano na inicial, o STJ tem reiteradamente afirmado a necessidade de elementos mínimos que indiquem a potencial lesividade do ato, não bastando alegações abstratas de violação à moralidade. A ausência desses elementos pode ser atacada por meio de preliminar de inépcia da inicial.
- Decadência: o prazo decadencial de cinco anos para propositura da ação popular (art. 21 da Lei 4.717/65) deve ser rigorosamente verificado, contando-se da data da publicação do ato questionado ou, no caso de atos praticados em sigilo ou com vício de publicidade, da data em que deles tomou conhecimento o autor.

Técnicas de Contestação e Produção Probatória
Uma vez superados os pressupostos processuais, a defesa técnica deve se concentrar em duas frentes complementares:
- Contestação técnico-jurídica: estruturada em blocos argumentativos que devem abranger:
a) Legalidade formal e material do ato: demonstração detalhada da conformidade do ato impugnado com as normas legais e regulamentares que o disciplinam, incluindo o processo administrativo que o precedeu. Recomenda-se a juntada integral do processo administrativo, enfatizando pareceres técnicos e jurídicos que fundamentaram a decisão.
b) Presunção de legitimidade dos atos administrativos: invocação do princípio da presunção de legitimidade e veracidade dos atos administrativos, exigindo prova robusta para seu afastamento.
c) Discricionariedade administrativa: quando aplicável, demonstração de que o ato questionado insere-se no âmbito da discricionariedade do gestor público, não cabendo ao Poder Judiciário substituir-se ao administrador na avaliação de mérito administrativo, desde que respeitados os limites legais.
d) Proporcionalidade e razoabilidade: argumentação que evidencie a proporcionalidade e razoabilidade do ato praticado, considerando o contexto administrativo, as alternativas disponíveis e os objetivos de interesse público perseguidos. - Estratégia probatória: estruturação de um plano de produção de provas que pode incluir:
a) Prova pericial técnica: especialmente em casos que envolvam questões técnicas complexas, como avaliação de preços de mercado, impactos ambientais ou valor histórico-cultural. A especificação detalhada dos quesitos é fundamental para direcionar a perícia aos pontos controvertidos mais favoráveis à defesa.
b) Prova testemunhal qualificada: indicação de testemunhas técnicas, como servidores que participaram do processo decisório, especialistas no tema ou agentes de órgãos fiscalizadores que possam atestar a regularidade do procedimento.
c) Produção documental complementar: requerimento de documentos em poder de terceiros ou da própria Administração que possam corroborar a tese defensiva, como relatórios comparativos, estudos setoriais ou precedentes administrativos semelhantes.
d) Inspeção judicial: em casos específicos, especialmente envolvendo questões ambientais ou patrimônio histórico, a inspeção judicial pode ser estratégica para demonstrar a ausência de dano efetivo ou sua dimensão reduzida.
Atuação em Litisconsórcio e Intervenções de Terceiros
O manejo adequado da pluralidade de partes pode representar diferencial estratégico na defesa:
- Litisconsórcio passivo necessário – A identificação de todos os potenciais beneficiários do ato impugnado e sua inclusão no polo passivo é medida que não apenas protege o devido processo legal, mas distribui o ônus da defesa e multiplica as perspectivas argumentativas.
- Assistência litisconsorcial – Entidades ou pessoas que, embora não diretamente indicadas como rés, possam ser afetadas pela decisão, podem requerer ingresso como assistentes litisconsorciais, fortalecendo a defesa com novos argumentos e provas.
- Chamamento ao processo: quando cabível, a ampliação subjetiva do processo para incluir outros agentes envolvidos na cadeia decisória ou na execução do ato questionado pode diluir eventual responsabilidade e complexificar a relação jurídica a ponto de dificultar a procedência da ação.
- Intervenção da pessoa jurídica interessada: a lei da ação popular prevê a possibilidade de intervenção da entidade cujo ato é impugnado, que pode optar entre defender o ato ou abster-se de fazê-lo. A atuação coordenada com a defesa da entidade, quando favorável, potencializa as chances de êxito.
Ação Popular: Procedimentos e Cuidados Específicos
Veja a seguir alguns procedimentos e cuidados específicos:
Fase de Saneamento e Organização do Processo
O momento processual do saneamento é fundamental para a definição dos rumos da ação popular. Recomenda-se atenção especial aos seguintes pontos:
- Delimitação precisa do objeto litigioso: insistir na fixação clara e delimitada do objeto da lide, evitando o alargamento indevido do escopo da ação para incluir questões não suscitadas na inicial ou não diretamente relacionadas ao ato impugnado.
- Definição da distribuição do ônus probatório: embora a ação popular tenha caráter público, o ônus da prova da ilegalidade e da lesividade incumbe ao autor.
- Formalização das questões controversas: requerer que o juiz formalize em decisão de saneamento quais são as questões de fato e de direito controvertidas, buscando limitar o alcance da cognição judicial aos pontos efetivamente relevantes.
Jurisprudências sobre a Ação Popular
Confira a seguir jurisprudências sobre a Ação Popular:
CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. AÇÃO POPULAR. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. COMPETÊNCIA. JUÍZO PROLATOR. 1. A Ação Popular é o meio processual a que tem direito qualquer cidadão que deseje impugnar judicialmente a validade de atos lesivos ao patrimônio público, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural (inteligência do art. 5º, LXXIII, CRFB/88 c/c art. 1º da Lei 4.717/1965). 2. Segundo o repertório jurisprudencial do STJ, a ação popular é uma ferramenta para o controle social do patrimônio coletivo, sendo certo que esta possui dupla finalidade: desconstituir ato lesivo e condenar os responsáveis a reparação dos danos praticados (REsp 1.242.800/MS, 439.180/SP). 3. O provimento jurisdicional prolatado no final da ação popular, embora sirva para proteger o patrimônio material e imaterial da sociedade, tem característica de ser individual, porque determina a pessoas específicas que anulem os atos lesivos ao erário, assim como reparem os danos decorrentes desses atos. 4. O cumprimento de sentença da ação popular deve ser julgado e processado no juízo prolator do decreto sentencial (inteligência do art. 516, II, do CPC). 5. Conflito de competência admitido para declarar a competência do juízo suscitado. (TJDFT, 07053586920198070000, ACÓRDÃO, Órgão Julgador: 1a câmara cível, Relator(a): DES. LEILA ARLANCH, Julgado em: 2019-09-02, Data de Publicação: 2019-09-18)
REMESSA NECESSÁRIA. AÇÃO POPULAR. PROCESSO SELETIVO. PROGRAMA DE RESIDÊNCIA MÉDICA EM HOSPITAIS DO DISTRITO FEDERAL. PRETERIÇÃO. INOCORRÊNCIA. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE E OFENSA AO PRINCÍPIO DA ISONOMIA. SENTENÇA MANTIDA. Nos termos da Lei n. 4.717/65, a Ação Popular tem por objeto a declaração judicial de nulidade de atos lesivos ao patrimônio público, à moralidade administrativa, ao meio ambiente ou ao patrimônio histórico e cultural. O art. 5º, LXXIII, da CF/88 estabelece que ?qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência?. Constatado que os critérios estabelecidos no Edital impugnado por meio da presente Ação Popular estão em consonância com a legislação correlata, não se verifica qualquer violação aos princípios da isonomia ou ilegalidade que justifique a intervenção do Judiciário no ato em questão. (TJDFT, 07000417020188070018, ACÓRDÃO, Órgão Julgador: 2a turma cível, Relator(a): DES. CARMELITA BRASIL, Julgado em: 2019-03-13, Data de Publicação: 2019-03-25)
AÇÃO POPULAR – Pretensão à instalação de comissões de transição democrática entre gestões políticas e de licitações intermunicipais, bem como aprimoração de coleta seletiva do lixo municipal – Ação popular é um instrumento constitucional para legitimar qualquer cidadão com vistas a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural – Via inadequada para pleito de política pública – Penalidade devidamente aplicada – Replicação de diversas demandas semelhantes de modo temerário – Abuso de direito configurado – Apelação não provida, com determinação. (TJSP, Apelação / Remessa Necessária / Atos Administrativos 1035254-40.2020.8.26.0576, ACÓRDÃO, Relator(a): DES. FERMINO MAGNANI FILHO, Data de Julgamento: 2021-03-30, 5a câmara de direito público, Data de Publicação: 2021-03-30)
AÇÃO POPULAR – Pretensão do autor popular impedir a nomeação para os cargos de confiança criados pela Lei Complementar nº 333/2017 do Município de Tupã – Adequação da via eleita – A ação popular é instrumento cabível para se questionar judicialmente a validade dos atos considerados lesivos ao patrimônio público e à moralidade administrativa – Precedentes deste E. TJSP – Inconstitucionalidade da Lei complementar nº 333/2017 já declarada pelo C. Órgão Especial deste E. TJSP, nos autos da ADI nº 2123990-33.2019.8.26.0000 – A portaria de nomeação de cargos comissionados criados por lei declarada inconstitucional deve ser nula – Procedência do pedido do autor popular – Sentença mantida – Recurso não provido. (TJSP, APELACAO / REMESSA NECESSARIA / VIOLACAO AOS PRINCIPIOS ADMINISTRATIVOS 1007539-39.2017.8.26.0637, ACÓRDÃO, Relator(a): DES. PERCIVAL NOGUEIRA, Data de Julgamento: 2020-11-11, 8a câmara de direito público, Data de Publicação: 2020-11-11)
Tutelas Provisórias e Controle de Danos Processuais
A ação popular frequentemente vem acompanhada de pedidos de tutela provisória que podem comprometer contratos em andamento, suspender obras públicas ou paralisar serviços essenciais.
A atuação preventiva nesse campo é determinante. Tenha atenção especificamente nos pontos:
- Contraditório prévio em tutelas de urgência: mesmo nos casos onde a lei permite a concessão de liminar inaudita altera parte, a jurisprudência tem valorizado o contraditório prévio em ações populares, especialmente quando envolvem contratos administrativos complexos ou serviços públicos essenciais.
- Demonstração do periculum in mora inverso: a argumentação técnica sobre os danos potencialmente maiores decorrentes da concessão da liminar do que de sua denegação é fundamental, especialmente quando há prejuízos coletivos envolvidos na interrupção do ato impugnado.
- Oferecimento de garantias alternativas: em casos onde haja risco real de dano ao erário, a oferta de garantias alternativas à suspensão do ato (como caução, seguro-garantia ou depósito judicial) pode ser estratégica para evitar a paralisação de projetos ou contratos.
Recursos e Instrumentos de Controle
O manejo adequado dos recursos disponíveis é essencial para o controle do risco processual na ação popular:
- Agravo de instrumento contra decisões interlocutórias críticas: especialmente em face de decisões que concedem tutelas provisórias, determinam produção de provas excessivamente onerosas ou ampliam indevidamente o objeto da lide.
- Reclamação constitucional: nos casos em que a decisão de primeiro grau contrariar entendimento firmado em precedente vinculante dos tribunais superiores, a reclamação constitucional pode ser instrumento mais célere que o próprio agravo.
- Suspensão de liminar e sentença: instrumento excepcional dirigido diretamente à presidência do tribunal, quando a decisão puder causar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança ou à economia públicas (Lei 8.437/92).
Solução Consensual e Técnicas Autocompositivas
A evolução do processo civil brasileiro e das práticas de controle da Administração Pública tem favorecido soluções consensuais mesmo em ações populares:
- Termo de Ajustamento de Conduta (TAC): embora o autor popular não possa, isoladamente, firmar TAC, a intervenção do Ministério Público pode viabilizar esse instrumento como forma de encerramento da lide com obrigações específicas que atendam ao interesse público.
- Acordo em Ação Popular: o STF reconheceu a possibilidade de acordo em ação popular, desde que respeitados os princípios da Administração Pública e assegurada a efetiva reparação do dano ao erário, quando existente.
- Mediação e conciliação em ações populares: especialmente em casos envolvendo questões ambientais ou de patrimônio histórico-cultural, a mediação pode produzir soluções criativas que atendam simultaneamente aos interesses da preservação e do desenvolvimento.
- Compromisso de ajustamento de gestão: instrumento mais recente, inspirado nos acordos de leniência da Lei Anticorrupção, que permite ao gestor assumir compromissos específicos de melhoria da gestão como forma de encerramento da lide.
O Papel da Tecnologia e da Gestão de Conhecimento
A defesa eficaz em ações populares exige não apenas domínio técnico-jurídico, mas também adoção de ferramentas de gestão do conhecimento e tecnologias jurídicas:
- Bancos de teses e precedentes: a sistematização de argumentos bem-sucedidos em casos anteriores, organizados por tipos de atos impugnados, facilita a produção de peças processuais consistentes e alinhadas à jurisprudência mais recente.
- Automação inteligente: ferramentas como a Jurídico AI, melhor IA para advogados, podem potencializar a produção de peças processuais, gerando minutas de contestação, recursos, apelações e manifestações com base na jurisprudência atualizada e nos argumentos específicos do caso.
- Gestão documental eficiente: sistemas de organização e indexação de documentos permitem a rápida localização e utilização estratégica das provas disponíveis, especialmente em processos administrativos complexos que fundamentam o ato impugnado.
- Análise preditiva de riscos: o uso de ferramentas de análise de dados para avaliação de tendências decisórias de órgãos julgadores específicos pode auxiliar na calibragem da estratégia defensiva e na antecipação de pontos sensíveis.
Ao dominar estas estratégias tanto de acusação quanto de defesa, o advogado que atua no contencioso público estará melhor preparado para lidar com ações populares, seja representando o cidadão que busca a proteção do interesse público, seja defendendo a legalidade e legitimidade dos atos administrativos questionados.
Leia também nosso artigo sobre Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos: Principais observações da Lei nº 14.133/2021

Qual é o fundamento constitucional da ação popular e quais são seus objetos de proteção?
A ação popular está fundamentada no artigo 5º, inciso LXXIII da Constituição Federal de 1988, configurando-se como direito fundamental do cidadão.
Os objetos de proteção constitucionalmente previstos são: o patrimônio público (recursos e bens públicos), a moralidade administrativa (conduta ética e proba na administração), o meio ambiente (recursos naturais e equilíbrio ecológico) e o patrimônio histórico e cultural (bens materiais e imateriais de valor cultural coletivo).
Quem possui legitimidade ativa para propor ação popular e como deve comprová-la?
A legitimidade ativa para propor ação popular é exclusiva do cidadão brasileiro em pleno gozo dos direitos políticos. A comprovação deve ser feita documentalmente na petição inicial, mediante apresentação do título de eleitor ou certidão de quitação eleitoral, conforme estabelece o §3º do art. 1º da Lei 4.717/1965. A ausência desta comprovação constitui causa para indeferimento liminar da inicial.
Pessoas jurídicas, estrangeiros ou pessoas com direitos políticos suspensos não possuem legitimidade para propor esta ação.
Quais são as principais estratégias processuais para a defesa técnica em ação popular?
As principais estratégias de defesa em ação popular incluem:
– Controle dos pressupostos processuais (verificação da legitimidade ativa, especificidade do ato impugnado, indícios de lesividade, prazo decadencial);
– Contestação técnico-jurídica fundamentada na legalidade do ato, presunção de legitimidade dos atos administrativos, discricionariedade administrativa e proporcionalidade;
– Produção probatória estratégica (perícia técnica, testemunhas qualificadas, documentação complementar);
– Manejo adequado das intervenções de terceiros (litisconsórcio passivo, assistência litisconsorcial, chamamento ao processo);
– Questionamento da lesividade concreta ao interesse público protegido.
Quais são as estratégias mais eficazes para o autor na propositura de uma ação popular?
Para o autor popular, as estratégias mais eficazes incluem:
– Fundamentação robusta da petição inicial, com identificação precisa do ato impugnado;
– Demonstração da lesividade concreta ou potencial, preferencialmente com suporte técnico;
– Vinculação expressa do pedido a uma das hipóteses constitucionais de proteção;
– Utilização dos mecanismos legais de obtenção de documentos públicos (art. 1º, §4º da Lei 4.717/65);
– Pedido de tutela provisória bem fundamentado nos requisitos legais;
– Articulação institucional com Ministério Público e Tribunais de Contas para reforço probatório;
– Formulação de quesitos periciais específicos e direcionados às questões técnicas controvertidas.
Qual é o prazo para propositura da ação popular e como ele é contado em diferentes situações?
O prazo para propositura da ação popular é decadencial de cinco anos, conforme estabelece o artigo 21 da Lei 4.717/1965. Este prazo é contado a partir da data da publicação oficial do ato impugnado. Para atos praticados em sigilo ou com vícios de publicidade que impeçam seu conhecimento, o prazo inicia-se da data em que o autor popular efetivamente tomou conhecimento do ato, cabendo-lhe o ônus de comprovar esta circunstância.
Em situações de atos de efeitos continuados ou permanentes, a jurisprudência tem entendido que o prazo se renova continuamente enquanto persistirem os efeitos lesivos.
Como funciona a participação do Ministério Público na ação popular?
O Ministério Público tem participação obrigatória nas ações populares, atuando como fiscal da ordem jurídica (custos legis), conforme estabelece o art. 6º, §4º da Lei 4.717/1965.
Suas funções incluem:
– Acompanhamento de todos os atos processuais e manifestação nas principais fases;
– Assumir a titularidade ativa em caso de desistência infundada ou abandono da ação pelo autor;
– Produção complementar de provas quando necessário ao esclarecimento dos fatos;
– Possibilidade de propor acordos ou termos de ajustamento de conduta;
– Recurso das decisões contrárias ao interesse público, mesmo quando o autor não recorrer;
– Fiscalização do cumprimento das decisões judiciais.
Quais são as diferenças e similaridades entre a ação popular e a ação civil pública?
As principais diferenças e similaridades entre ação popular e ação civil pública são:
Diferenças:
Legitimidade ativa: a ação popular é proposta exclusivamente por cidadão, enquanto a ação civil pública pode ser ajuizada pelo Ministério Público, Defensoria Pública, entes federativos, autarquias, empresas públicas, fundações, sociedades de economia mista e associações;
Base legal: a ação popular é regulada pela Lei 4.717/1965, enquanto a ação civil pública é disciplinada pela Lei 7.347/1985;
Objeto: embora ambas protejam interesses difusos, a ação popular tem escopo específico voltado à anulação de atos lesivos aos quatro objetos constitucionais, enquanto a ação civil pública tem espectro mais amplo.
Similaridades:
Ambas protegem direitos difusos e coletivos;
Têm efeitos erga omnes nas sentenças, salvo no caso de improcedência por insuficiência de provas;
Possibilitam a tutela do patrimônio público e do meio ambiente.
Quais são as possíveis consequências para o réu em caso de procedência da ação popular?
Em caso de procedência da ação popular, as consequências para o réu podem incluir:
Declaração de nulidade do ato administrativo impugnado, com efeitos retroativos (ex tunc);
Obrigação de ressarcimento solidário dos danos causados ao erário;
Reversão dos bens, valores ou direitos transferidos indevidamente a terceiros;
Pagamento de honorários advocatícios e despesas processuais;
Possibilidade de suspensão dos direitos políticos em caso de improbidade administrativa vinculada;
Repercussão em outras esferas de responsabilidade (administrativa e criminal);
Devolução de valores recebidos indevidamente, corrigidos monetariamente;
Possíveis consequências reputacionais e políticas, especialmente para agentes públicos eleitos.
Importante destacar que o art. 11 da Lei 4.717/65 prevê a condenação em perdas e danos apenas para os responsáveis diretos pelo ato e para os que dele se beneficiaram diretamente.
É possível haver acordo ou desistência em ação popular? Quais são as condições?
Sim, é possível haver desistência e acordo em ação popular, mas com condições específicas:
Quanto à desistência:
– O autor popular pode desistir da ação a qualquer tempo, mas essa desistência não impede o prosseguimento do feito;
– Conforme o art. 9º da Lei 4.717/65, o Ministério Público ou qualquer outro cidadão pode assumir o polo ativo em caso de desistência;
– A desistência não exime o autor de eventuais despesas processuais ou honorários de sucumbência se ficar comprovada má-fé.
Quanto ao acordo:
– É admitida a solução consensual, especialmente após a vigência do CPC/2015 e dos avanços na consensualidade administrativa;
– O STF tem reconhecido a possibilidade de acordo em ação popular desde que: (a) respeite os princípios da administração pública; (b) assegure efetiva reparação do dano ao interesse público; (c) tenha participação e concordância do Ministério Público;
– Qualquer acordo deve ser homologado judicialmente após verificação de sua adequação ao interesse público.