A multiparentalidade, que reconhece juridicamente múltiplos vínculos parentais sem hierarquia entre eles, é um exemplo marcante das mudanças sociais e culturais da contemporaneidade.
Mais do que um conceito jurídico, ela representa um avanço na proteção das relações afetivas, na promoção da dignidade humana e na adaptação do ordenamento jurídico às diversas realidades familiares.
Neste artigo, exploraremos como a multiparentalidade surgiu, sua base legal, os efeitos jurídicos que ela gera, e como os advogados podem atuar de forma estratégica nesse contexto. Continue a leitura!
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Multiparentalidade: O que é?
A multiparentalidade é o reconhecimento jurídico de múltiplos vínculos parentais entre uma criança ou adolescente, como mais de um pai e/ou mais de uma mãe, sem hierarquia entre essas relações.
Essa formação familiar, considerada um reflexo das transformações sociais e afetivas, já é aceita pelo ordenamento jurídico brasileiro e tem sido reforçada por decisões do Supremo Tribunal Federal (STF).
A origem e o reconhecimento jurídico da multiparentalidade
A multiparentalidade foi consolidada como um direito no Brasil por meio de uma decisão histórica do Supremo Tribunal Federal (STF) em 2016.
O STF reconheceu que a filiação socioafetiva possui o mesmo valor jurídico da filiação biológica, permitindo que ambas coexistam no registro civil de uma pessoa.
Essa decisão representou um marco para o Direito de Família, ao refletir a pluralidade das configurações familiares e promover a isonomia entre as diversas formas de filiação.
A base legal para o reconhecimento da multiparentalidade está no princípio da dignidade da pessoa humana, na busca pela proteção integral da criança e do adolescente e na valorização do afeto como elemento estruturante das relações familiares.
Esse entendimento também está alinhado com o artigo 227 da Constituição Federal, que prioriza os interesses das crianças e adolescentes, veja:
“Art. 227, CF. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.”
Como a multiparentalidade reflete a sociedade atual
O reconhecimento jurídico da multiparentalidade acompanha as transformações sociais e culturais da contemporaneidade.
Famílias formadas por casais homoafetivos, padrastos, madrastas e outros arranjos familiares que envolvem vínculos de afeto estão cada vez mais comuns.
Ao reconhecer a pluralidade dessas configurações, o Direito de Família cumpre sua função de proteger os laços afetivos e promover a inclusão jurídica.
Quais são os critérios para se realizar o registro da multiparentalidade?
O registro da multiparentalidade pode ser realizado com base em critérios estabelecidos pela legislação e pela jurisprudência no Brasil.
Esse reconhecimento ocorre quando se admite a existência de mais de um vínculo parental, simultaneamente, em relação a uma mesma pessoa, refletindo a diversidade de arranjos familiares.
Abaixo estão os principais critérios e passos para realizar o registro. Confira!
Critérios para o registro da multiparentalidade
Existência de vínculo afetivo comprovado: Deve-se demonstrar que há uma relação socioafetiva consolidada entre o filho e o(s) genitor(es) adicional(is). Isso pode ser feito por meio de testemunhas, fotografias, mensagens, relatos e outros documentos que comprovem a convivência e o afeto.
Consentimento das partes envolvidas: Todos os envolvidos, incluindo o genitor biológico, o(s) genitor(es) socioafetivos) e, se aplicável, o filho (dependendo da sua idade e capacidade), precisam consentir com o registro.
Não exclusão de relações preexistentes: O reconhecimento da multiparentalidade não exclui o vínculo com os pais biológicos, sendo uma adição ao registro civil. Assim, é possível ter mais de dois genitores registrados na certidão de nascimento.
Interesse superior da criança ou adolescente: O reconhecimento deve sempre atender ao melhor interesse do menor, garantindo seus direitos fundamentais e protegendo seu bem-estar.
Análise jurídica e administrativa: É necessário que o pedido seja analisado por um cartório ou pelo Judiciário, dependendo da complexidade do caso e da documentação apresentada.
Procedimento para o registro da multiparentalidade
Reunir documentação necessária:
- Certidão de nascimento do filho.
- Documentos de identificação de todos os envolvidos.
- Provas do vínculo socioafetivo.
Solicitação em cartório: Em casos consensuais, o pedido pode ser realizado diretamente no cartório de registro civil. O oficial poderá encaminhar para homologação judicial se julgar necessário.
Ação Judicial: Quando há divergência entre as partes ou ausência de consenso, é necessário ingressar com uma ação judicial para obter o reconhecimento.
Decisão e registro: Após análise e decisão favorável, o registro será atualizado com a inclusão do(s) genitor(es) adicional(is).
Quais são os efeitos jurídicos da multiparentalidade?
Direitos e Deveres Alimentares
Os múltiplos pais reconhecidos possuem a obrigação legal de prestar alimentos à criança ou adolescente, conforme a necessidade do filho e a capacidade econômica de cada genitor.
Essa obrigação pode ser compartilhada entre os pais biológicos e socioafetivos.
Direitos Sucessórios
A inclusão de múltiplos pais no registro civil impacta diretamente os direitos sucessórios.
O filho multiparental tem direito à herança de todos os pais reconhecidos, sejam biológicos ou socioafetivos, ampliando suas expectativas hereditárias.
Guarda e Convivência
A multiparentalidade implica o compartilhamento de responsabilidades na guarda e convivência familiar, considerando o melhor interesse da criança.
Todos os pais reconhecidos podem pleitear direitos relacionados à convivência, visitas e guarda compartilhada.
Nome e Registro Civil
No campo registral, a multiparentalidade permite que o nome de todos os pais reconhecidos conste na certidão de nascimento.
Isso inclui a inclusão dos sobrenomes de cada genitor, refletindo a pluralidade de vínculos.
Responsabilidades Legais
Os pais socioafetivos têm os mesmos direitos e deveres dos pais biológicos, sendo responsáveis pela proteção, educação, sustento e cuidado com o filho, com base nos princípios constitucionais da dignidade humana e do melhor interesse da criança.
Impacto Psicológico e Social
Embora não seja um efeito jurídico direto, a multiparentalidade pode fortalecer o laço afetivo entre pais e filhos, garantindo maior suporte emocional, social e material à criança ou adolescente.
Base Legal sobre os efeitos jurídicos da multiparentalidade
- Constituição Federal (Art. 227): Estabelece o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente.
- Código Civil (Arts. 1.593 e 1.596): Reconhece a parentalidade socioafetiva como equivalente à biológica.
- Jurisprudência: O Supremo Tribunal Federal (STF), no julgamento do RE 898.060, reafirmou a possibilidade de coexistência da filiação biológica e socioafetiva.
A multiparentalidade reforça a ideia de que o direito deve acompanhar as transformações sociais, protegendo arranjos familiares diversos e promovendo a dignidade dos membros da família.
É possível reverter a multiparentalidade?
Não, o reconhecimento da multiparentalidade é irretratável.
Salvo em casos excepcionais comprovados judicialmente, como vício de vontade, fraude ou simulação que justifiquem a anulação do ato jurídico.

Dicas práticas para advogados que atuam em ações de multiparentalidade
Veja a seguir algumas dicas práticas para atuar com segurança jurídica nas ações de multiparentalidade.
Capacitação contínua
- Participar de cursos, seminários e congressos sobre Direito de Família e novas configurações familiares.
- Acompanhar decisões recentes dos tribunais, especialmente do STF e STJ, sobre reconhecimento de multiparentalidade e seus efeitos jurídicos.
- Estudar legislação e doutrinas específicas que abordem as relações entre socioafetividade e direito.
Planejamento sucessório personalizado
- Auxiliar os clientes no planejamento patrimonial, considerando a possibilidade de múltiplos herdeiros legítimos.
- Elaborar testamentos que detalhem a distribuição de bens, prevenindo disputas judiciais.
- Analisar as implicações de direitos previdenciários em situações de multiparentalidade, como pensões e benefícios.
Mediação de conflitos familiares
- A mediação é uma ferramenta eficaz para promover o diálogo entre as partes e encontrar soluções consensuais.
- É importante que o advogado capacite-se em técnicas de mediação ou conte com parceiros especializados nessa área.
- Incentivar acordos extrajudiciais pode reduzir os custos emocionais e financeiros para os envolvidos.
Atualização de documentos e registros
- Orientar os clientes sobre a retificação de registros civis, como certidões de nascimento e casamento, para incluir todos os genitores reconhecidos.
- Atualizar contratos, especialmente os relacionados a guarda, convivência e planejamento financeiro, com cláusulas que contemplem os novos vínculos.
- Revisar e adaptar testamentos, procurações e outros documentos jurídicos relevantes.
Sensibilidade e ética no atendimento ao cliente
- Escutar atentamente os clientes, demonstrando empatia e respeito pelas particularidades de cada caso.
- Garantir que as decisões jurídicas estejam alinhadas aos melhores interesses das crianças e adolescentes envolvidos.
- Proteger a privacidade e confidencialidade das informações compartilhadas no processo.
Ao adotar essas práticas, o advogado estará preparado para lidar com os desafios e oportunidades do reconhecimento da multiparentalidade, oferecendo um serviço jurídico que une técnica, estratégia e humanidade.
Multiparentalidade no Direito de Família: Desafios e oportunidades para os advogados
A multiparentalidade é um reflexo da evolução das famílias e da sociedade brasileira, representando um avanço significativo no Direito de Família.
Para os advogados, ela traz desafios e oportunidades que exigem preparação e adaptação às novas demandas jurídicas.
Ao compreender as implicações desse conceito e atuar de forma proativa, é possível contribuir para a proteção e o fortalecimento das relações familiares, promovendo a justiça e a inclusão no sistema jurídico brasileiro.
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