O reconhecimento da união estável após a morte de um dos companheiros ainda gera debates relevantes no Direito de Família, especialmente quando se trata de relações homoafetivas marcadas por contextos de discrição ou invisibilidade social.
Em decisão recente, o Superior Tribunal de Justiça reafirmou a proteção jurídica dessas relações ao relativizar o requisito da publicidade e admitir o reconhecimento da união estável homoafetiva mesmo após o falecimento de um dos parceiros.
A decisão sinaliza que o Direito não pode exigir padrões de exposição incompatíveis com trajetórias marcadas por preconceito histórico, sob pena de negar tutela a vínculos afetivos legítimos.
Para a advocacia, o precedente amplia a compreensão sobre os meios de prova admissíveis e sobre a interpretação dos requisitos legais da união estável.
Qual foi o caso julgado pelo STJ e o que aconteceu na prática?
O caso julgado pelo STJ envolveu pedido de reconhecimento de união estável homoafetiva após a morte de um dos conviventes, com finalidade sucessória.
A parte sobrevivente buscava o reconhecimento do vínculo para ter acesso aos direitos patrimoniais decorrentes da relação, mas o pedido havia sido negado nas instâncias inferiores sob o argumento de ausência do requisito da publicidade.
Nos autos, ficou demonstrado que o casal mantinha convivência duradoura, com apoio mútuo e projeto de vida em comum, embora a relação fosse vivida de forma discreta.
A discrição não decorria de inexistência de vínculo familiar, mas de contexto social marcado por receio de exposição, sobretudo no ambiente profissional e familiar mais amplo.
Ao analisar o recurso, o STJ reformou a decisão anterior e reconheceu a união estável, entendendo que a publicidade não exige ampla notoriedade social.
O tribunal considerou suficiente a prova de que a relação era conhecida no círculo íntimo e que a ausência de exposição pública ampla estava ligada a fatores históricos e sociais que atingem especialmente relações homoafetivas.
Esse enquadramento permitiu ao STJ afirmar que a interpretação rígida do requisito da publicidade poderia gerar injustiça material, negando proteção jurídica a entidades familiares reais.
A decisão, portanto, reafirma a necessidade de leitura contextualizada dos requisitos da união estável, especialmente em demandas pós-morte.
Leia a seguir o inteiro teor do caso julgado em questão:
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
“A união estável é reconhecida como entidade familiar, merecendo proteção do Estado, consoante art. 226, § 3o, da CF. Trata-se de ato-fato jurídico, uma vez que não exige declaração de vontade ou contrato formal para sua constituição. Para que produza efeitos, basta a presença dos elementos caracterizadores previstos pela legislação civil.
Da interpretação atualizada do art. 1.723 do CC extraem-se os seguintes requisitos para o configuração de união estável: que a convivência entre duas pessoas seja pública, contínua e duradoura, com a intenção de constituir família.
Diz-se atualizada, pois, em maio de 2011, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, de forma unânime, julgou conjuntamente a ADI 4277 e ADPF 132, para reconhecer a união pública, contínua e duradoura entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar. O requisito principal para a caracterização da união estável, sem dúvidas, diz respeito ao intuito de constituir família.
É, pois, a intenção de viver como se casados fossem que distingue a união estável de relacionamentos como um namoro ou um noivado. Ainda que se esteja diante de um relacionamento público, contínuo e duradouro, se não constatada a intenção de constituição de família, a comunhão plena de vida e o tratamento recíproco como de casados, a relação não se caracterizará como entidade familiar.
Assim, é possível que uniões estáveis sejam constituídas mesmo que eventualmente relativizados alguns de seus requisitos, como pode ocorrer com a publicidade. A constituição da união estável depende muito mais da presença do ânimo de constituir família do que do conhecimento da relação pela sociedade em geral.
De fato, o requisito da publicidade não deve ser exigido como excessiva e desmedida exposição social, uma vez que não são os conviventes obrigados a propagar seu relacionamento e expor sua vida à público, sendo-lhes resguardada a proteção constitucional à privacidade (art. 5o, XII, da CF).
Na hipótese de união estável homoafetiva, o requisito da publicidade por vezes é difícil de se identificar, tendo em vista que a publicidade dessas uniões frequentemente se dá em recônditos mais estritos. Não é incomum que tais relações sejam omitidas de familiares, por receio de julgamentos ou represálias.”
Na eventualidade de reconhecimento de união estável post mortem, a presença dos requisitos configuradores pode ser ainda mais complexa, pois os familiares chamados a depor podem não ter conhecimento da união, dificultando o reconhecimento da relação em razão da ausência de publicidade.
Diante desse cenário, cabe ao julgador apreciar ações de reconhecimento de união estável homoafetiva recorrendo à perspectiva histórico-cultural do meio em que viveu o casal, convalidando a publicidade da relação afetiva no meio social de convivência restrita à época.
Os rigores da comprovação do requisito da publicidade em uniões estáveis homoafetivas devem ser mitigados conforme as peculiaridades da situação em concreto, ante o sigilo imposto pelos conviventes, inconscientemente ou
não, muitas vezes como forma de sobrevivência e manutenção da integridade física, moral e psicológica na sociedade ao tempo de seu relacionamento.
Adotar o critério da publicidade de forma absoluta para a configuração de união estável homoafetiva é criar barreira indevida ao reconhecimento de uniões por muitos anos invisibilizadas pelo Estado e negar o direito fundamental à privacidade, por vezes indispensável para a sua segurança.
Devem ser sopesados, pois, o requisito da convivência pública com o direito fundamental à privacidade de casais homoafetivos constantemente estigmatizados pela sociedade.
Dessa forma, a depender da situação em julgamento, é possível a relativização do requisito da publicidade para a configuração de união estável homoafetiva, desde que presentes os demais requisitos caracterizadores da união estável previstos no art. 1.723 do CC.
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TESE
“É possível a relativização do requisito da publicidade para a configuração de união estável homoafetiva, desde que presentes os demais requisitos caracterizadores da união estável previstos no art. 1.723 do CC.”
O que aconteceu no caso concreto analisado pelo STJ?
No caso analisado, a parte autora buscava o reconhecimento da união estável homoafetiva após o falecimento do companheiro, com o objetivo de assegurar direitos sucessórios.
As instâncias ordinárias haviam negado o pedido sob o argumento de ausência de publicidade da relação.
Ao reformar essa decisão, o STJ valorizou provas documentais e testemunhais que indicavam convivência duradoura, apoio mútuo e projeto de vida em comum.
O tribunal considerou que a relação era conhecida no círculo íntimo dos conviventes e que a discrição adotada não descaracterizava a união estável.
A Corte ressaltou que exigir exposição ampla e irrestrita da relação equivaleria a ignorar o contexto histórico de discriminação enfrentado por casais homoafetivos.
O STJ reconheceu a união estável homoafetiva mesmo após a morte?
Sim. O STJ reconheceu que é juridicamente possível o reconhecimento da união estável homoafetiva após a morte de um dos conviventes, desde que haja prova suficiente da convivência pública possível, contínua e duradoura, com intenção de constituir família.
O tribunal afirmou que o falecimento de um dos parceiros não impede o reconhecimento do vínculo, sobretudo quando a ação busca efeitos sucessórios ou previdenciários.
A Corte reforçou que o direito de família não se limita a formalidades rígidas e deve considerar a realidade vivida pelo casal, mesmo que a relação não tenha sido formalizada em vida.
O requisito da publicidade pode ser relativizado nesses casos?
O STJ entendeu que o requisito da publicidade pode ser relativizado quando o contexto social demonstra que a discrição foi uma forma de proteção da própria relação.
A Corte destacou que, em uniões homoafetivas, especialmente em períodos anteriores à consolidação de direitos, a ausência de ampla exposição social não significa inexistência de entidade familiar.
Dessa forma, a publicidade deve ser analisada de forma compatível com as circunstâncias do caso concreto, levando em conta o ambiente familiar, profissional e social dos conviventes.
O entendimento evita que o Judiciário imponha um padrão de visibilidade que, na prática, poderia inviabilizar o reconhecimento de relações afetivas legítimas.

Quais provas podem demonstrar a união estável homoafetiva pós-morte?
A união estável pode ser comprovada por um conjunto probatório coerente, ainda que não haja prova documental formalizada em vida.
O STJ reafirmou que não existe hierarquia entre os meios de prova e que a análise deve ser feita de forma global.
Entre os elementos comumente aceitos, destacam-se:
- Depoimentos de familiares, amigos e pessoas do convívio próximo;
- Comprovação de residência comum ou coabitação, ainda que intermitente;
- Registros de dependência econômica ou auxílio financeiro;
- Fotografias, mensagens e correspondências que indiquem vínculo afetivo;
- Indícios de planejamento de vida em comum, como viagens ou projetos compartilhados.
A decisão reforça que a prova deve revelar a existência de um núcleo afetivo familiar, e não apenas a aparência social do relacionamento.
A decisão altera o conceito jurídico de união estável?
Não. A decisão não altera o conceito legal de união estável, mas ajusta sua interpretação à realidade social e constitucional.
O STJ manteve os requisitos previstos no Código Civil, mas enfatizou que esses elementos devem ser analisados de forma contextualizada.
A publicidade não é afastada, mas interpretada de maneira compatível com situações em que a exposição ampla não era viável ou segura.
Esse entendimento reforça a leitura constitucional do Direito das Famílias, alinhada à igualdade material e à vedação de discriminações indiretas.
Quais impactos essa decisão traz para advogados?
A decisão traz impactos relevantes para a atuação de advogados em ações de reconhecimento de união estável, inventários, pensões por morte e benefícios previdenciários.
Do ponto de vista prático, o precedente:
- Amplia a possibilidade de reconhecimento de uniões estáveis homoafetivas pós-morte;
- Reforça a importância da prova testemunhal e indiciária;
- Afasta interpretações excessivamente formais do requisito da publicidade;
- Exige análise sensível do contexto social e histórico da relação;
- Fortalece teses baseadas em dignidade, igualdade e proteção familiar.
Advogados passam a contar com um fundamento jurisprudencial sólido para sustentar pedidos que antes enfrentavam resistência em instâncias inferiores.
Como orientar clientes em situações semelhantes?
Advogados devem orientar clientes sobre a importância da organização probatória e da contextualização da relação desde o início da demanda.
É fundamental explicar que a ausência de formalização não impede o reconhecimento da união estável, mas exige atenção redobrada à coleta de provas.
Também é relevante preparar o cliente para demonstrar a existência de vínculo familiar real, ainda que vivido de forma discreta.
A decisão do STJ reforça que o Direito das Famílias deve ser instrumento de proteção, e não de exclusão, garantindo tutela jurídica a relações afetivas legítimas, mesmo quando marcadas por contextos de invisibilidade social.Leia também o artigo sobre STF estende Lei Maria da Penha para casais homoafetivos e mulheres trans: entenda a decisão
É possível reconhecer união estável homoafetiva após a morte do companheiro?
Sim, é plenamente possível. O STJ reconheceu que o falecimento de um dos parceiros não impede o reconhecimento da união estável homoafetiva, desde que haja prova suficiente da convivência pública (ainda que restrita ao círculo íntimo), contínua e duradoura, com intenção de constituir família.
A Corte reforçou que o Direito de Família não se limita a formalidades rígidas e deve considerar a realidade vivida pelo casal, mesmo que a relação não tenha sido formalizada em vida.
O reconhecimento póstumo é especialmente relevante para garantir direitos sucessórios e previdenciários ao companheiro sobrevivente.
O tribunal entendeu que negar esse reconhecimento equivaleria a ignorar a existência de vínculos afetivos legítimos e a perpetuar discriminações históricas contra relações homoafetivas.
Quais documentos provam união estável homoafetiva para fins sucessórios?
A união estável pode ser comprovada por um conjunto probatório coerente, ainda que não haja documentos formais. O STJ reafirmou que não existe hierarquia entre os meios de prova e que a análise deve ser global.
Provas documentais e indiciárias aceitas:
Depoimentos testemunhais de familiares, amigos e pessoas do convívio próximo;
Comprovação de residência comum ou coabitação, ainda que intermitente (contratos de aluguel, contas compartilhadas, correspondências);
Registros de dependência econômica ou auxílio financeiro (transferências bancárias, declarações de dependente em plano de saúde);
Fotografias, mensagens e correspondências que indiquem vínculo afetivo (WhatsApp, e-mails, redes sociais);
Indícios de planejamento de vida em comum (viagens, projetos compartilhados, compras conjuntas);
Declarações de imposto de renda com dependente informado;
Conta bancária conjunta ou procurações recíprocas.
A decisão reforça que a prova deve revelar a existência de um núcleo afetivo familiar real, e não apenas a aparência social do relacionamento.
A discrição da relação impede o reconhecimento da união estável?
Não. O STJ entendeu que o requisito da publicidade pode ser relativizado quando o contexto social demonstra que a discrição foi uma forma de proteção da própria relação.
A Corte destacou que, em uniões homoafetivas, especialmente em períodos anteriores à consolidação de direitos LGBTQIA+, a ausência de ampla exposição social não significa inexistência de entidade familiar.
É comum que essas relações sejam vividas de forma discreta por receio de julgamentos, represálias no ambiente profissional ou rejeição familiar.
Importante: A publicidade não exige notoriedade social ampla. É suficiente que a relação seja conhecida no círculo íntimo dos conviventes (amigos próximos, alguns familiares, vizinhos).
O entendimento evita que o Judiciário imponha um padrão de visibilidade que, na prática, inviabilizaria o reconhecimento de relações afetivas legítimas marcadas por contextos históricos de discriminação.
Exigir exposição ampla e irrestrita equivaleria a negar tutela a vínculos familiares reais e perpetuar injustiças.




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