A transação penal é um dos mecanismos mais relevantes da política criminal despenalizadora adotada pela Lei nº 9.099/1995.
Voltada para as infrações de menor potencial ofensivo, ela permite a resolução consensual de conflitos penais, evitando a abertura de um processo judicial e, consequentemente, seus impactos negativos na vida do autor do fato — como antecedentes criminais e reincidência.
Este artigo foi pensado especialmente para advogados que atuam (ou desejam atuar) nos Juizados Especiais Criminais e precisam compreender com clareza como funciona a transação penal, quais são os requisitos legais, como aplicar o instituto com segurança, e quais entendimentos e jurisprudências recentes devem orientar a prática profissional.
O que é transação penal?
A transação penal é um acordo firmado entre o autor do fato e o Ministério Público (ou o querelante, nos casos de ação penal privada), com o objetivo de evitar a abertura de um processo criminal.
Trata-se de um mecanismo despenalizador previsto no art. 76 da Lei nº 9.099/95, aplicável apenas às infrações de menor potencial ofensivo — ou seja, crimes cuja pena máxima não ultrapasse dois anos.
“Art. 76, Lei nº 9.099/95 – Havendo representação ou tratando-se de crime de ação penal pública incondicionada, não sendo caso de arquivamento, o Ministério Público poderá propor a aplicação imediata de pena restritiva de direitos ou multas, a ser especificada na proposta.”
Nesse acordo, o autor do fato aceita cumprir uma pena restritiva de direitos ou pagar uma multa, desde que preencha certos requisitos legais.
A grande vantagem é que, cumprida a transação penal, o processo é encerrado sem gerar antecedentes criminais nem sentença condenatória. O juiz apenas homologa o acordo — não há julgamento de mérito nem fixação de pena no sentido tradicional.
Por isso, a transação penal não configura reincidência e não interfere na responsabilidade civil. É uma alternativa mais célere, consensual e menos gravosa ao sistema tradicional de persecução penal.
Réu Primário: Implicações no Processo Penal [Guia]
Como funciona a transação penal na prática?
O procedimento da transação penal começa ainda na fase pré-processual.
Quando a autoridade policial toma conhecimento de um crime de menor potencial ofensivo, ela não instaura inquérito, mas sim lavra um Termo Circunstanciado de Ocorrência (TCO), de acordo com o art. 69 da Lei 9.099/95.
Esse documento é enviado ao juizado especial criminal, onde será agendada uma audiência preliminar.
Antes da audiência, o Ministério Público analisa se há possibilidade de oferecer a proposta. Para isso, verifica os antecedentes do autor do fato.
Se ele já tiver sido beneficiado por transação penal nos últimos cinco anos, ou se tiver condenação anterior com pena privativa de liberdade, por exemplo, a proposta será inviável — conforme o §2º do art. 76 da Lei dos Juizados.
“Art. 76, § 2º, Lei 9.099/95 – Não se admitirá a proposta se ficar comprovado:
I – ter sido o autor da infração condenado, pela prática de crime, à pena privativa de liberdade, por sentença definitiva;
II – ter sido o agente beneficiado anteriormente, no prazo de cinco anos, pela aplicação de pena restritiva ou multa, nos termos deste artigo;
III – não indicarem os antecedentes, a conduta social e a personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias, ser necessária e suficiente a adoção da medida.”
Na audiência, se a composição civil dos danos não for possível ou for recusada, o promotor poderá apresentar a proposta de transação. Aceita voluntariamente pelo autor do fato, ela é encaminhada ao juiz para homologação.
As penas aplicadas podem incluir:
- prestação de serviços à comunidade;
- prestação pecuniária;
- limitação de fins de semana;
- perda de bens e valores;
- interdição de direitos.
Se o acordo for cumprido corretamente, extingue-se a punibilidade. Caso contrário, o Ministério Público poderá dar início à persecução penal, podendo requisitar inquérito ou já oferecer denúncia, a depender do caso.
Qual a importância da transação penal no sistema de justiça?
A transação penal cumpre um papel estratégico dentro do sistema de justiça criminal, especialmente no que diz respeito à racionalização da persecução penal.
Ela permite que infrações de menor gravidade sejam resolvidas de forma célere, evitando a instauração de processos longos e custosos, tanto para o Estado quanto para o próprio acusado.
Esse instituto é uma resposta à necessidade de dar eficiência à Justiça, preservando o tempo e os recursos do Poder Judiciário para casos mais graves e complexos.
Para o autor do fato, representa a chance de resolver a situação de forma consensual, sem sofrer os efeitos de uma condenação penal — como registros criminais e eventual reincidência.
Quais são os requisitos para propor a transação penal?
A transação penal só pode ser proposta se alguns requisitos objetivos e subjetivos forem atendidos. Veja abaixo os principais critérios:
Requisitos objetivos:
- Infração de menor potencial ofensivo: Aplica-se a contravenções penais e crimes cuja pena máxima em abstrato não ultrapasse dois anos.
- Inexistência de causas de arquivamento: O Ministério Público deve entender que há justa causa para a continuidade da persecução penal.
- Ação penal cabível: Pode ser proposta tanto nos casos de ação penal pública (condicionada ou incondicionada) quanto nos de ação penal privada.
Requisitos subjetivos (parágrafo 2º do art. 76 da Lei 9.099/95):
- O autor do fato não pode ter sido condenado, por sentença definitiva, pela prática de crime à pena privativa de liberdade.
- Não pode ter sido beneficiado pela transação penal nos últimos 5 anos.
- As circunstâncias do caso, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do agente devem ser compatíveis com a proposta do acordo — ou seja, o promotor deve entender que a transação é suficiente e adequada.
Importante: Se o Ministério Público deixar de propor a transação alegando ausência de requisitos, o juiz pode discordar. Nesse caso, aplica-se, por analogia, o art. 28 do CPP: o juiz remeterá os autos ao procurador-geral, que poderá ratificar a negativa, oferecer ele mesmo a proposta, ou designar outro promotor para fazê-lo.
Esses critérios têm por objetivo garantir que a transação penal seja usada de forma equilibrada, como uma alternativa legítima à ação penal, sem banalizar o uso do instituto e sem violar o devido processo legal.

Transação penal e suspensão condicional do processo: qual a diferença?
Embora ambas sejam medidas despenalizadoras previstas na Lei nº 9.099/1995, a transação penal e a suspensão condicional do processo são institutos distintos, com aplicação em momentos e condições diferentes dentro do procedimento criminal.
Entender essa diferença é essencial tanto na prática quanto para quem se prepara para concursos.
1. Previsão legal
- Transação penal: Art. 76 da Lei nº 9.099/1995
- Suspensão condicional do processo: Art. 89 da mesma lei
2. Momento de aplicação
- A transação penal ocorre antes da denúncia. Não há processo instaurado. É uma forma de evitar a própria existência do processo.
- A suspensão condicional do processo (sursis processual) ocorre após o recebimento da denúncia. O processo é iniciado, e só então o juiz pode suspender o andamento por até quatro anos.
3. Requisitos para aplicação
Transação penal:
- Aplica-se a infrações de menor potencial ofensivo, ou seja:
- Contravenções penais
- Crimes com pena máxima não superior a dois anos
- Contravenções penais
- O autor do fato:
- Não pode ter sido condenado à pena privativa de liberdade por outro crime
- Não pode ter feito outra transação penal nos últimos 5 anos
- Deve apresentar condições pessoais favoráveis, como bons antecedentes, conduta social adequada e personalidade compatível com a medida
- Não pode ter sido condenado à pena privativa de liberdade por outro crime
Suspensão condicional do processo:
- Aplica-se a crimes com pena mínima não superior a um ano
- Além disso, exige:
- Que o acusado não esteja respondendo nem tenha sido condenado por outro crime
- Que não seja possível substituir a pena por restritiva de direitos
- Que as circunstâncias do fato e do autor sejam favoráveis
- Esses critérios estão nos artigos 89 da Lei nº 9.099/1995 e 77 do Código Penal
- Que o acusado não esteja respondendo nem tenha sido condenado por outro crime
4. Condições impostas ao beneficiário
Na transação penal, o autor do fato cumpre pena restritiva de direitos ou multa, como:
- Prestação de serviços à comunidade
- Pagamento de cestas básicas
- Multa, que pode ser reduzida pelo juiz
Na suspensão condicional do processo, o acusado deverá cumprir condições pelo prazo de 2 a 4 anos, como:
- Reparar o dano, salvo impossibilidade
- Não frequentar determinados lugares
- Comparecimento mensal ao juízo para informar suas atividades e residência
O descumprimento leva ao prosseguimento do processo criminal.
5. Efeitos na prescrição
- Transação penal: a lei é omissa sobre os efeitos na prescrição. A interpretação mais benéfica é a de que não há suspensão ou interrupção da prescrição.
- Suspensão condicional do processo: suspende o prazo prescricional durante o período de prova.
6. Registro e reincidência
- A transação penal não gera reincidência penal, nem entra nos antecedentes criminais, mas fica registrada para impedir novo benefício no prazo de 5 anos.
- A suspensão condicional do processo também não gera condenação, caso seja cumprida integralmente.


Entendimentos e jurisprudências sobre transação penal
A transação penal tem sido amplamente discutida e aplicada nos tribunais brasileiros, tanto no âmbito penal quanto em analogias cíveis sobre a homologação de acordos.
A seguir, apresento jurisprudências recentes e seus principais entendimentos para reforçar como o tema vem sendo interpretado.
1. Homologação judicial exige apenas requisitos legais mínimos
O Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) reforçou o caráter consensual da transação e a limitação da atuação do magistrado ao controle formal do acordo:
“Sendo a transação um negócio jurídico bilateral realizado entre as partes para prevenir ou finalizar o litígio mediante concessões mútuas, (…) incumbe ao magistrado apenas a verificação dos seus requisitos de validade, quais sejam a capacidade das partes, a licitude do objeto e a regularidade formal do ato.”
(TJMG, Ag. Instr. CV 2612634-73.2021.8.13.0000, rel. Des. Amorim Siqueira, j. 18/05/2022)
Esse entendimento é relevante principalmente quando o juiz pretende rejeitar a proposta ou questionar os termos acordados, pois delimita sua atuação ao aspecto formal, respeitando a autonomia das partes.
2. Exigência de requisitos formais para homologação
Também no TJMG, outro acórdão reforça que, embora o juiz não possa interferir no mérito do acordo, ele deve se atentar aos requisitos formais previstos em lei, sob pena de nulidade:
“A homologação pelo juiz de transação requer o atendimento dos requisitos formais previstos em lei.”
(TJMG, Ap. Cível 5000063-64.2015.8.13.0231, rel. Des. Pedro Bernardes de Oliveira, j. 23/03/2021)
Ou seja, ainda que o acordo seja válido entre as partes, o controle judicial se mantém sobre aspectos formais essenciais.
3. Aplicação da transação penal nos casos de porte de drogas para uso pessoal
A jurisprudência reconhece que o porte de droga para uso próprio, apesar de previsto na Lei nº 11.343/2006, admite aplicação da transação penal com base na Lei dos Juizados Especiais:
“Nos termos do art. 48, §1º, da Lei n.º 11.343/2006, aplica-se o procedimento da Lei n.º 9.099/1995, inclusive autorizando, em seu §5º, a transação penal prevista no art. 76 da Lei n.º 9.099/1995.”
(TJDFT, Reclamação 0738012-75.2020.8.07.0000, rel. Des. Sebastião Coelho, j. 04/02/2021)
Esse entendimento reforça que mesmo crimes previstos em legislação especial podem receber o benefício, desde que preencham os requisitos da Lei nº 9.099/95.
4. Inaplicabilidade em crimes com pena máxima superior a dois anos
Em outro julgado, o TJMG reforçou que a transação penal não é cabível em crimes cuja pena máxima em abstrato ultrapasse dois anos, como no caso do estelionato:
“Inaplicável o instituto da transação penal por se tratar de crime com pena máxima em abstrato superior a dois anos.”
(TJMG, Ap. Crim. 0023384-90.2018.8.13.0335, rel. Des. Dirceu Walace Baroni, j. 10/09/2020)
Esse ponto é frequentemente cobrado em concursos e deve ser observado com atenção na prática forense.
5. Réu revel não tem direito à proposta
Por fim, decisão do TJDFT confirmou que o réu revel — aquele que não é localizado para citação pessoal — não pode ser beneficiado pela transação penal ou pela suspensão condicional do processo:
“Sendo o réu revel, não há que se falar em intimação para eventual proposta de transação penal e suspensão condicional do processo.”
(TJDFT, Ap. Crim. 0026204-69.2015.8.07.0007, rel. Des. Jesuíno Rissato, j. 16/04/2020)
Ou seja, o comparecimento pessoal é condição essencial para que o autor do fato possa aderir à proposta do Ministério Público.
Referências
DE LIMA, Renato Brasileiro. Manual de Processo Penal. 3ª Edição. Bahia: Editora JusPODIVM, 2015.

O que significa transação penal?
A transação penal é um acordo pré-processual entre o Ministério Público (ou querelante, nos casos de ação penal privada) e o autor do fato, mediante o qual este aceita cumprir uma pena restritiva de direitos ou pagar multa, evitando o oferecimento da denúncia e o prosseguimento da persecução penal.
Esse instituto não gera antecedentes criminais e tampouco constitui reincidência.
Quando a pena pode ser convertida em medidas alternativas na transação penal?
Na transação penal, a pena proposta não é privativa de liberdade. Ela já é oferecida diretamente em forma de pena restritiva de direitos ou multa.
Portanto, não se trata de conversão de pena, mas sim de proposta direta dessas sanções como forma de evitar o processo.
Quais penas podem ser propostas na transação penal?
São admitidas medidas como prestação de serviços à comunidade, pagamento de prestação pecuniária (cestas básicas, por exemplo), perda de bens e valores, limitação de fim de semana ou interdição de direitos.
O conteúdo da proposta deve ser proporcional ao fato e respeitar a voluntariedade do autor do fato.
Quais são os requisitos legais para a transação penal?
São exigidos requisitos objetivos e subjetivos:
– Infração de menor potencial ofensivo (pena máxima não superior a dois anos ou contravenção penal);
– Ausência de condenação anterior à pena privativa de liberdade;
– Não ter sido beneficiado com transação penal nos últimos cinco anos;
– Antecedentes, personalidade e circunstâncias favoráveis à aplicação da medida.
Quem pode propor a transação penal?
O Ministério Público é o legitimado para propor a transação penal nas ações penais públicas. Já nas ações penais privadas, o querelante pode formular a proposta, com os mesmos parâmetros.
O juiz pode negar a homologação da transação penal?
Sim, mas sua atuação se limita ao controle de legalidade. O juiz deve verificar apenas os requisitos formais do acordo, como capacidade das partes, licitude do objeto e forma regular do ato.
A transação penal gera antecedentes criminais?
Não. A homologação da transação penal não equivale à condenação nem gera efeitos penais secundários, como reincidência ou anotação nos antecedentes, exceto para fins de vedação de novo benefício no prazo de 5 anos.
A vítima participa da audiência de transação penal?
Sim. A vítima é intimada a participar da audiência preliminar, especialmente para eventual composição civil dos danos.
– Na ação penal pública, a transação penal é proposta pelo Ministério Público e não depende da concordância da vítima, embora ela possa se manifestar.
– Na ação penal privada, a transação penal depende da iniciativa e do consentimento da vítima (querelante), já que é ela quem exerce a acusação.
A transação penal pode ser recusada pelo autor do fato?
Sim. A aceitação deve ser voluntária e consciente. O autor do fato pode recusar a proposta, hipótese em que o Ministério Público seguirá com a persecução penal.
Quais crimes não admitem transação penal?
Crimes com pena máxima superior a dois anos e aqueles em que o autor já tenha sido condenado à pena privativa de liberdade ou beneficiado com transação nos últimos cinco anos não admitem a proposta.