A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça consolidou, por unanimidade, que a renúncia à herança produz efeitos definitivos e irrevogáveis sobre a integralidade do patrimônio hereditário, incluindo bens descobertos posteriormente que ensejem sobrepartilha.
No julgamento do REsp 1.855.689/DF, relatado pelo ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, o STJ fixou um importante entendimento. O Tribunal decidiu que, uma vez realizado a renúncia, extingue-se integralmente o direito hereditário do renunciante.
Assim, ele passa a ser tratado como se nunca tivesse possuído qualquer direito sobre os bens do patrimônio. Desse modo, não lhe permanece qualquer prerrogativa na sucessão.
Continue lendo para entender tudo sobre a decisão!

O que exatamente decidiu o STJ sobre a natureza da renúncia à herança?
O STJ fixou que a renúncia à herança é ato jurídico puro, irrevogável e indivisível, que extingue completamente o direito hereditário do renunciante com efeitos retroativos.
Segundo o relator da presente decisão do STJ, ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, “a renúncia à herança é irrevogável e indivisível”.
Dessa forma, extingue-se o direito hereditário do renunciante como se ele nunca tivesse existido. Isso significa que não se pode renunciar parcialmente à herança ou condicionar a renúncia à descoberta futura de bens.
Confira a ementa da decisão na íntegra:
RECURSO ESPECIAL. DIREITO DAS SUCESSÕES, FALIMENTAR E PROCESSUAL CIVIL. FALÊNCIA. HABILITAÇÃO DE CRÉDITO. IMPUGNAÇÃO. HERANÇA. HERDEIRO. RENÚNCIA. ARTS. 1.808 E 1.812 DO CÓDIGO CIVIL. EFEITOS. INDIVISIBILIDADE. IRREVOGABILIDADE. BENS DESCONHECIDOS. SOBREPARTILHA. ANTERIOR PARTILHA. PROCESSO E ATOS. VALIDADE. MANUTENÇÃO. COISA JULGADA. IMUTABILIDADE. EFEITOS. RESTRIÇÃO SUBJETIVA. ART. 506 DO CPC. HONORÁRIOS SUCUMBENCIAIS. CABIMENTO. BASE DE CÁLCULO. ART. 85, § 2º, DO CPC. EQUIDADE. EXCEPCIONALIDADE. AUSÊNCIA.
1. A controvérsia dos autos resume-se em definir se: (i) a superveniência da descoberta de novos bens partilháveis, que ensejem a sobrepartilha, dá nova oportunidade ao herdeiro que renunciou à herança de optar pela aceitação ou renúncia desse patrimônio, tornando-o, assim, parte legítima para requerer a habilitação do crédito na falência da pessoa jurídica devedora; (ii) o trânsito em julgado da sentença proferida na sobrepartilha impede o questionamento, por terceiro, em ação diversa, de habilitação de crédito, sobre a legitimidade da herdeira renunciante; e (iii) foi correta a fixação dos honorários advocatícios por equidade.
2. A renúncia à herança é ato jurídico puro não sujeito a elementos acidentais, razão pela qual não se pode renunciar a herança em partes, sob condição (evento futuro incerto) ou termo (evento futuro e certo), de modo que, perfeita a renúncia, extingue-se o direito hereditário do renunciante, o qual considera-se como se nunca tivesse existido, não lhe remanescendo nenhuma prerrogativa sobre qualquer bem do patrimônio.
3. A sobrepartilha consiste em procedimento de partilha adicional cujo escopo é o de repartir e dar o adequado destino dos bens dos arts. 2.022 do Código Civil de 2022 e 669 do Código de Processo Civil aos herdeiros, observando o procedimento do inventário e da partilha, na forma do art. 670 do Código de Processo Civil, mas sem rescindir ou anular a partilha já realizada, nem os atos nela praticados.
4. Não sendo o terceiro parte ou inteveniente no processo em que proferido o pronunciamento judicial transitado em julgado, a imutabilidade e a indiscutibilidade dos seus termos não o alcançam, conforme prevê o atual art. 506 do Código de Processo Civil.
5. A apresentação de impugnação à habilitação de crédito na recuperação judicial ou na falência justifica a condenação em honorários sucumbenciais, os quais devem ser fixados segundo a regra geral do § 2º do art. 85 do Código de Processo Civil, sendo inviável, salvo situações excepcionais, inexistentes na espécie, a sua estipulação por equidade.
6. Recurso especial provido.
Qual foi o caso concreto que motivou essa decisão?
O caso envolveu uma herdeira que renunciou formalmente à sua quota-parte em herança de uma credora de empresa em falência.
Posteriormente, durante procedimento de sobrepartilha, foi descoberto crédito que já existia à época da renúncia, mas não havia sido identificado inicialmente.
A renunciante tentou habilitar-se no processo falimentar para receber esse crédito, alegando que sua renúncia não abarcaria bens descobertos depois. Porém, o STJ rejeitou essa tese, mantendo a exclusão definitiva da renunciante.
Como a decisão impacta a sobrepartilha de bens descobertos posteriormente?
A sobrepartilha, prevista nos arts. 2.022 do Código Civil e 669 do CPC, destina-se exclusivamente a repartir bens não incluídos na partilha original entre os herdeiros que mantiveram seus direitos sucessórios.
Dessa forma, o STJ esclareceu que a sobrepartilha não tem o condão de rescindir a partilha anterior, alterar direitos já consolidados ou reabrir oportunidade para herdeiros que renunciaram.
A superveniência de bens não legitima qualquer participação do renunciante, nem mesmo em processos paralelos.
Quais as implicações práticas para advogados na orientação de clientes?
Orientação preventiva:
- Esclarecer a irrevogabilidade absoluta da renúncia antes de sua formalização;
- Alertar sobre a indivisibilidade: não se pode renunciar a parte dos bens e aceitar outros;
- Explicar que a renúncia abarca todos os bens, inclusive os desconhecidos ou futuros;
- Documentar adequadamente a orientação prestada para proteção profissional.
Avaliação patrimonial prévia:
- Realizar due diligence do espólio antes de aconselhar renúncia;
- Verificar existência de processos judiciais pendentes;
- Investigar possíveis créditos não identificados;
- Considerar situação de empresas do de cujus (falência, recuperação judicial).
Em quais situações a decisão é especialmente relevante?
Sucessões empresariais:
- Herança de quotas sociais com passivos ocultos ou futuros;
- Créditos de empresas em recuperação judicial ou falência;
- Direitos derivados de propriedade intelectual descobertos posteriormente.
Sucessões complexas:
- Patrimônio com bens no exterior não mapeados inicialmente;
- Heranças com múltiplos processos judiciais pendentes;
- Situações envolvendo sonegação de bens por outros herdeiros.
Litígios previdenciários e trabalhistas:
- Benefícios previdenciários reconhecidos após o óbito;
- Ações trabalhistas com trânsito em julgado posterior;
- Indenizações de seguros descobertas tardiamente.
Como fica a estratégia de renúncia em inventários com passivos?
A decisão reforça que a renúncia é ferramenta útil para evitar responsabilização por dívidas hereditárias, mas deve ser cautelosamente planejada:
Vantagens mantidas:
- Proteção contra dívidas superiores ao ativo;
- Exclusão de responsabilidade por obrigações futuras do espólio;
- Escape de litígios complexos e custosos.
Riscos amplificados:
- Perda definitiva de todos os bens, mesmo os valiosos descobertos depois;
- Impossibilidade de participar de sobrepartilhas lucrativas.
Existem alternativas à renúncia pura que preservem direitos?
Aceitação beneficiária:
- Limita responsabilidade pelas dívidas aos bens herdados;
- Preserva direito a bens descobertos posteriormente;
- Permite participação em sobrepartilhas futuras.
Inventário negativo:
- Declara patrimônio insuficiente para quitar passivos;
- Mantém direitos sucessórios formalmente;
- Possibilita aproveitamento de bens supervenientes de valor.
Cessão de direitos hereditários:
- Transfere posição jurídica para terceiro interessado;
- Permite negociação sobre bens futuros;
- Evita perda total dos direitos sucessórios.

Qual o impacto da decisão em processos em andamento?
Processos pendentes:
- Herdeiros renunciantes devem ser imediatamente excluídos de sobrepartilhas;
- Não cabe reabertura de prazo para manifestação sobre novos bens;
- Legitimidade para contestar deve ser reconhecida apenas aos demais herdeiros.
Revisão de estratégias:
- Reavaliação de casos similares em tramitação;
- Adequação de pedidos em inventários com renunciantes;
- Orientação diferenciada para clientes em situações análogas.
Novo paradigma para a prática sucessória
A decisão do STJ marca mudança paradigmática na compreensão dos efeitos da renúncia à herança, estabelecendo sua natureza absolutamente definitiva e abrangente.
Para a advocacia especializada, representa alerta sobre a necessidade de orientação técnica rigorosa e investigação patrimonial prévia antes de aconselhar renúncias.
O precedente reforça que não existe “renúncia parcial” ou “renúncia condicional” no direito brasileiro, devendo os profissionais orientar adequadamente os clientes sobre as consequências irreversíveis dessa decisão.
Isso porque a descoberta posterior de bens valiosos não autoriza o “arrependimento” ou nova oportunidade de escolha.
Para escritórios de advocacia, a decisão exige atualização de protocolos de atendimento, implementação de due diligence patrimonial em sucessões e documentação rigorosa da orientação prestada, considerando a amplificação da responsabilidade civil por aconselhamento inadequado em matéria sucessória.
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O que decidiu exatamente o STJ sobre a renúncia à herança no REsp 1.855.689/DF?
O STJ estabeleceu que a renúncia à herança é um ato jurídico puro, irrevogável e indivisível, que extingue completamente o direito hereditário do renunciante com efeitos retroativos.
Segundo o ministro relator Ricardo Villas Bôas Cueva, o herdeiro renunciante é tratado juridicamente “como se nunca tivesse existido” na linha sucessória, não podendo participar de qualquer processo posterior relacionado à herança, incluindo sobrepartilhas de bens descobertos posteriormente.
A renúncia à herança abrange bens descobertos após a formalização da renúncia?
Sim, completamente. A decisão do STJ consolidou que a renúncia produz efeitos definitivos e irrevogáveis sobre a integralidade do patrimônio hereditário, incluindo bens descobertos posteriormente que ensejem sobrepartilha.
Não existe possibilidade de “arrependimento” ou nova oportunidade de escolha quando bens valiosos são encontrados depois da renúncia.
É possível fazer renúncia parcial à herança no direito brasileiro?
Não. O STJ reafirmou que a renúncia à herança é indivisível por natureza. Não se pode renunciar a parte dos bens e aceitar outros, nem condicionar a renúncia à descoberta futura de bens.
Dessa forma, a renúncia é um ato jurídico puro que não admite elementos acidentais como condições ou termos.
Quais são as principais alternativas à renúncia pura que preservam direitos sucessórios?
Existem três alternativas principais:
Aceitação beneficiária: limita a responsabilidade pelas dívidas aos bens herdados, mas preserva direitos a bens descobertos posteriormente;
Inventário negativo: declara patrimônio insuficiente para quitar passivos, mantendo direitos sucessórios formais;
Cessão de direitos hereditários: transfere a posição jurídica para terceiro interessado, permitindo negociação sobre bens futuros.
Como a decisão impacta a responsabilidade dos advogados na orientação sobre renúncia?
A decisão amplia significativamente a responsabilidade profissional, exigindo:
Orientação específica e detalhada sobre as consequências irreversíveis da renúncia;
Due diligence patrimonial prévia antes de aconselhar renúncia;
Documentação rigorosa da orientação prestada (termo de ciência assinado pelo cliente);
Investigação de possíveis bens ocultos, processos pendentes e situações empresariais complexas.
Em quais situações essa decisão é especialmente relevante na prática?
A decisão tem impacto em:
Sucessões empresariais: herança de quotas sociais com passivos ocultos, créditos de empresas em falência/recuperação judicial;
Sucessões complexas: patrimônio com bens no exterior, múltiplos processos judiciais pendentes, sonegação de bens;
Litígios previdenciários e trabalhistas: benefícios reconhecidos após óbito, ações com trânsito em julgado posterior, indenizações descobertas tardiamente.
Que cuidados procedimentais são essenciais após essa decisão do STJ?
Na formalização da renúncia:
Registrar em ata que o cliente foi orientado sobre irrevogabilidade;
Documentar que a renúncia abarca bens futuros e desconhecidos;
Obter declaração expressa de ciência dos efeitos jurídicos;
Manter arquivo completo da orientação técnica prestada.
No acompanhamento posterior:
Esclarecer impossibilidade de mudança de posição jurídica;
Alertar que descoberta de bens valiosos não altera situação;
Orientar sobre tentativas indevidas de terceiros de incluir o renunciante;
Manter documentação para eventual defesa em ações futuras.