A Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça julgou o Tema 1.261 sob o rito dos recursos repetitivos. O colegiado fixou duas teses que delimitam a exceção à impenhorabilidade do bem de família prevista no art. 3º, V, da Lei 8.009/1990.
As teses também definem como deve ser distribuído o ônus da prova em casos comuns de garantia hipotecária vinculada a sociedades empresárias dos proprietários do imóvel residencial.
As diretrizes vinculam os tribunais do país (CPC, art. 927, III) e destravam processos sobrestados, impondo ajustes imediatos em estratégias de cobrança, defesa patrimonial e estruturação de garantias em operações de crédito.

O que o Tema 1.261 do STJ decidiu?
O Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o Tema 1.261 sob o rito dos recursos repetitivos, definiu parâmetros importantes para a aplicação da exceção à impenhorabilidade do bem de família prevista na Lei 8.009/1990.
A decisão esclareceu em quais situações o imóvel residencial pode ser penhorado quando oferecido como garantia hipotecária, além de estabelecer regras sobre o ônus da prova conforme a configuração societária dos devedores.
Veja as teses definidas no Tema 1.261 do STJ na íntegra:
“I) a exceção à impenhorabilidade do bem de família nos casos de execução de hipoteca sobre o imóvel, oferecido como garantia real pelo casal ou pela entidade familiar, prevista no art. 3º, V, da Lei n. 8.009/1990, restringe-se às hipóteses em que a dívida foi constituída em benefício da entidade familiar: II) em relação ao ônus da prova, a) se o bem for dado em garantia real por um dos sócios de pessoa jurídica, é, em regra, impenhorável, cabendo ao credor o ônus de comprovar que o débito da pessoa jurídica se reverteu em benefício da entidade familiar; e b) caso os únicos sócios da sociedade sejam os titulares do imóvel hipotecado, a regra é da penhorabilidade do bem de família, competindo aos proprietários demonstrar que o débito da pessoa jurídica não se reverteu em benefício da entidade familiar.”
Em resumo, podemos pontuar que foi decidido o seguinte:
Tese 1 – Limite material da exceção (art. 3º, V, Lei 8.009/1990): a penhora do bem de família, em execução de hipoteca oferecida pelo casal ou pela entidade familiar, só é admissível quando a dívida tiver sido constituída em benefício da própria entidade familiar.
Tese 2 – Ônus da prova nas garantias ligadas a sociedades dos proprietários:
2.1) Se o bem foi dado em garantia real por apenas um dos sócios de pessoa jurídica: a regra é a impenhorabilidade; cabe ao credor provar que a dívida da sociedade se reverteu em benefício da entidade familiar.
2.2) Se os únicos sócios da sociedade são os titulares do imóvel hipotecado: a regra é a penhorabilidade; cabe aos proprietários demonstrar que a dívida da sociedade não se reverteu em benefício da entidade familiar.
Essas teses foram fixadas em recursos representativos (REsp 2.093.929 e REsp 2.105.326), sob relatoria do ministro Antonio Carlos Ferreira.
O que conta como “dívida constituída em benefício da entidade familiar”?
O STJ vinculou a exceção à demonstração de que o crédito garantido tinha destinação útil para a família (p. ex., aquisição, reforma ou manutenção do próprio imóvel, despesas essenciais de sustento ou outras finalidades familiares).
Dessa forma, afastando a ideia de renúncia genérica e automática à proteção do imóvel residencial.
Por isso, a tese 2 do Tema 1.261 do STJ distribui o ônus probatório conforme o desenho societário, calibrando quem deve comprovar o “benefício familiar” em cada hipótese.
Como fica a distribuição do ônus da prova na prática?
Garantia prestada por um sócio (não exclusiva): o bem é, em regra, impenhorável; o credor precisa provar que a dívida empresarial aproveitou à família (documentos de destinação, fluxo financeiro, vínculos com despesas familiares, etc.).
Sociedade “familiar” (únicos sócios são os proprietários do imóvel): presume-se a penhorabilidade; os devedores devem demonstrar a ausência de benefício familiar (p. ex., investimento empresarial autônomo, sem reflexo doméstico; contas segredadas; projetos alheios à subsistência familiar).
Quais são os efeitos imediatos para a advocacia?
Credores: teses favorecem a execução quando há hipoteca do bem de família e a dívida beneficiou a entidade familiar; em sociedades “familiares”, a presunção de penhorabilidade desloca a defesa para os devedores. É recomendável reforçar a documentação de destinação do crédito no onboarding da operação (finalidade, cronograma de desembolsos, lastro documental), facilitando a prova do benefício familiar quando aplicável.
Devedores/famílias: a defesa ganha contorno probatório objetivo; em hipotecas ligadas a empresas familiares, será crucial comprovar que o passivo empresarial não se incorporou ao sustento ou patrimônio da família (demonstrativos financeiros, segregação de contas, finalidade do crédito, auditorias).
Estruturação de garantias: instituições financeiras e escritórios devem revisar modelos contratuais e due diligence, prevendo cláusulas de finalidade, controles de uso do crédito e evidências de destinação, em especial quando o imóvel residencial lastrear obrigações de sociedades dos próprios titulares.
Contencioso e sobrestamentos: processos suspensos pelo tema repetitivo podem retomar a tramitação, devendo as partes adaptar suas teses e provas à matriz fixada pelo STJ.

Boas práticas probatórias e documentais
Para credores:
- Registrar, no contrato e nos anexos, a finalidade do crédito e sua conexão com o interesse familiar, quando existente (p. ex., aquisição/reforma do imóvel residencial).
- Monitorar a destinação dos valores com relatórios periodizados, notas fiscais, comprovantes de serviços e extratos que evidenciem o vínculo com despesas familiares.
- Em sociedades com sócios que são os proprietários do bem, coletar desde a originação elementos que demonstrem a aderência do crédito a necessidades familiares (se houver) para manter a presunção de penhorabilidade incólume em juízo.
Para devedores:
- Segregar finanças domésticas e empresariais (contas, cartões, contratos), produzindo uma “trilha” que dissocie o passivo da esfera familiar.
- Comprovar finalidades exclusivamente empresariais (capex, opex, expansão, aquisição de maquinário) sem reflexo na subsistência familiar.
- Reunir laudos, relatórios contábeis e periciais que demonstrem a autonomia do risco empresarial e a ausência de “benefício familiar” direto.
Como adaptar petições e recursos a partir de agora?
Petições iniciais de execução/embargos: adequar o capítulo do mérito apontando “benefício familiar” ou “ausência de benefício familiar” à matriz do Tema 1.261 do STJ, com prova dirigida e contemporânea aos fatos.
Agravos/apelações: dedicar seção específica ao ônus da prova, destacando a hipótese aplicável (um sócio x sociedade com únicos sócios proprietários) e anexando prova de destinação ou de segregação.
Provas técnicas: pleitear perícia contábil/financeira quando a destinação estiver controvertida, delimitando quesitos sobre fluxo, lastro e reflexos na esfera doméstica.
Tema 1.261 do STJ: Segurança jurídica para credores e famílias
As teses do Tema 1.261 do STJ alinham a proteção da moradia com boa-fé nas garantias reais: a impenhorabilidade do bem de família cede na execução de hipoteca apenas quando a dívida aproveita à entidade familiar, e o ônus probatório varia conforme a estrutura societária dos proprietários.
O resultado é um padrão objetivo e previsível para credores e famílias, com ênfase em documentação de destinação e segregação financeira.
Advogados devem ajustar imediatamente modelos contratuais, estratégias probatórias e teses processuais a esse novo balizamento nacional.
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A exceção do art. 3º, V (execução de hipoteca) da Lei 8.009/1990, virou autorização ampla para penhorar qualquer imóvel residencial hipotecado?
Não. A penhora só é possível quando a dívida foi contraída em benefício da entidade familiar. Caso contrário, preserva-se a impenhorabilidade do bem de família.
O STJ estabeleceu critérios rígidos: é preciso demonstrar que o crédito teve destinação útil para a família, como aquisição, reforma ou manutenção do próprio imóvel, despesas essenciais de sustento ou outras finalidades familiares.
A simples existência de hipoteca não autoriza automaticamente a penhora — deve haver prova concreta do benefício familiar.
Em caso de hipoteca de bem de família por sócio de empresa, o credor sempre perde?
Não. Embora a regra seja a impenhorabilidade quando apenas um dos sócios oferece o bem em garantia, o credor pode vencer se conseguir provar que o crédito empresarial aproveitou efetivamente à família.
Para isso, deve apresentar documentos que comprovem a destinação familiar dos recursos, como:
– Notas fiscais de reforma do imóvel residencial;
– Comprovantes de pagamento de despesas familiares essenciais;
– Extratos bancários que demonstrem o fluxo dos valores para a esfera doméstica, ou
– Contratos que evidenciem a finalidade familiar do crédito.
Em sociedade cujos únicos sócios são os proprietários do imóvel, a família sempre perde?
Não. Apesar da regra ser a penhorabilidade nestes casos (presunção de que a dívida beneficiou a família), os proprietários podem afastar a penhora se conseguirem provar que a dívida empresarial não trouxe qualquer benefício à entidade familiar.
Isso pode ser demonstrado por meio de:
– Segregação rigorosa entre contas pessoais e empresariais;
– Comprovação de que os recursos foram destinados exclusivamente a investimentos empresariais (equipamentos, expansão, capital de giro);
– Auditorias que evidenciem a autonomia financeira entre empresa e família, ou
– Documentos que comprovem finalidades puramente comerciais sem reflexo na subsistência doméstica.
As teses fixadas no Tema 1.261 do STJ valem para imóvel urbano e rural?
Sim. O bem de família legal, protegido pela Lei 8.009/1990, abrange tanto imóveis urbanos quanto rurais, desde que sirvam de moradia familiar.
As teses do Tema 1.261 aplicam-se a qualquer imóvel residencial que tenha sido oferecido em garantia hipotecária, independentemente de sua localização. A proteção visa resguardar o direito fundamental à moradia, seja ela na cidade ou no campo.
Como comprovar que a dívida foi constituída “em benefício da entidade familiar” nos casos de penhora de bem de família?
Para credores, é essencial:
– Registrar a finalidade do crédito no contrato e anexos;
– Coletar notas fiscais, recibos e comprovantes que demonstrem a destinação familiar dos recursos;
– Obter declarações do devedor sobre o uso pretendido;
– Monitorar periodicamente a aplicação dos valores por meio de relatórios e extratos.
Para devedores que querem afastar a presunção, devem comprovar:
– Segregação clara entre patrimônio empresarial e familiar;
– Destinação exclusivamente comercial dos recursos;
– Ausência de reflexos na economia doméstica;
– Manutenção de contas bancárias separadas entre pessoa física e jurídica.
O que acontece com processos que já estavam em andamento antes da decisão do Tema 1.261 do STJ?
Os processos que estavam sobrestados aguardando o julgamento do Tema 1.261 podem retomar sua tramitação imediatamente.
Processos em fase de conhecimento devem ter suas teses adaptadas aos novos parâmetros, com adequação das alegações e produção de provas conforme a distribuição do ônus estabelecida pelo STJ.
Execuções em andamento precisam verificar se as provas já produzidas são suficientes ou se há necessidade de complementação probatória.
Novos recursos devem observar obrigatoriamente as teses fixadas, sob pena de não conhecimento por contrariedade à jurisprudência consolidada.
As instituições financeiras precisam alterar seus contratos e procedimentos após o Tema 1.261 do STJ?
Sim, é altamente recomendável. As instituições devem revisar seus modelos contratuais para incluir:
– Cláusulas específicas sobre a finalidade do crédito e sua destinação;
– Previsão de controles periódicos sobre o uso dos recursos;
– Obrigação do devedor de apresentar comprovantes de destinação;
– Condições resolutórias em caso de desvio de finalidade.
Nos procedimentos de due diligence:
– É importante verificar a estrutura societária dos tomadores;
– Coletar desde a originação documentos que evidenciem o benefício familiar (quando alegado);
– Estabelecer trilhas de auditoria para acompanhar a destinação dos valores;
– Implementar controles de governança que facilitem a prova em eventual execução.
Como fica a situação de garantias já constituídas antes da decisão?
As garantias constituídas anteriormente não são automaticamente invalidadas após as teses do Tema 1.261, mas sua execução deve observar os novos critérios estabelecidos pelo STJ.
Credores:
– Devem avaliar se possuem documentação suficiente para comprovar o benefício familiar conforme os novos parâmetros;
– Considerar a produção de prova complementar por meio de perícias ou documentos supervenientes;
– Revisar estratégias processuais para adequá-las à distribuição do ônus probatório.
Devedores:
– Podem questionar execuções em curso se conseguirem demonstrar ausência de benefício familiar segundo os novos critérios;
– Devem organizar documentação que comprove a segregação patrimonial ou a destinação exclusivamente empresarial dos recursos.
A aplicação das teses é imediata, mas respeita o contraditório e a ampla defesa para adequação das provas.
Qual o impacto para o planejamento patrimonial de famílias empresárias com as teses do Tema 1.261 do STJ?
O impacto é significativo e exige revisão imediata das estratégias patrimoniais:
– Implementar segregação rigorosa entre patrimônio pessoal e empresarial;
– Manter contas bancárias, cartões de crédito e contratos estritamente separados;
– Documentar todas as operações para evitar confusão patrimonial;
– Evitar que recursos empresariais custeiem despesas familiares sem a devida formalização;
– Estabelecer políticas claras de governança familiar que delimitem o uso de garantias pessoais para dívidas empresariais.
No planejamento sucessório, é essencial considerar que a oferta de imóveis residenciais em garantia pode comprometer a proteção legal do bem de família se não houver cuidados probatórios adequados.