O ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou a suspensão nacional de todas as ações judiciais que tratam de indenizações decorrentes de atrasos, cancelamentos ou alterações de voos relacionados a caso fortuito ou força maior.
A decisão, tomada no âmbito do Tema 1.417 da repercussão geral, paralisa milhares de processos em todo o país e busca uniformizar o entendimento sobre a responsabilidade civil das companhias aéreas nesses cenários.
O que decidiu o STF?
O Supremo Tribunal Federal, por decisão do ministro Dias Toffoli, determinou a suspensão nacional de todos os processos que discutem a responsabilização de companhias aéreas por danos decorrentes de cancelamentos, alterações ou atrasos de voos.
A medida foi proferida no âmbito do Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 1.560.244, que teve repercussão geral reconhecida sob o Tema 1.417, e alcança qualquer ação em curso no país que trate da matéria, independentemente da fase em que se encontre.
A suspensão alcança todos os processos individuais ou coletivos que discutem responsabilização de companhias aéreas por eventos inevitáveis ou imprevisíveis, conforme enquadrado na própria controvérsia do Tema 1.417.
O STF enfatizou que a questão jurídica central não está na mera análise fática do atraso ou do cancelamento, mas na definição de qual regime normativo deve prevalecer em situações imprevisíveis e inevitáveis:
• Código de Defesa do Consumidor (CDC):
– Prevê responsabilidade objetiva reforçada das companhias aéreas.
• Código Brasileiro de Aeronáutica (CBA):
– Admite mitigação da responsabilidade, desde que comprovada a inevitabilidade do evento.
Para a Corte, essa discussão vem produzindo decisões divergentes em todo o país, algumas aplicando rigorosamente o CDC, outras acolhendo o regime próprio da aviação civil, gerando um cenário de profunda assimetria decisória.
Diante da multiplicidade de ações e do que o Supremo identificou como indícios de possível litigância predatória, tornou-se necessário interromper o andamento de todos os processos para evitar distorções no sistema e preservar a segurança jurídica.
Trecho da decisão do STF
A posição adotada pelo Supremo Tribunal Federal ficou expressa em passagem fundamental do despacho que determinou a suspensão nacional das ações.
No texto, o STF explica as razões que justificam a medida, destacando o cenário de litigância massiva, insegurança jurídica e a necessidade de uniformização da matéria no âmbito do Tema 1.417:
“Nesse contexto de litigiosidade de massa (e, possivelmente, de litigância predatória) e, por conseguinte, de enorme insegurança jurídica, parece-me de todo conveniente e oportuno suspender o processamento de todos os processos judiciais que versem sobre o assunto discutido nos autos no território nacional, até o julgamento definitivo do presente recurso.
Penso que, dessa maneira, será possível evitar tanto a multiplicação de decisões conflitantes quanto a situação de grave insegurança jurídica daí decorrente, a qual aflige, igualmente, empresas de transporte aéreo de passageiros e consumidores desse serviço, como também e, sobretudo, desestimular, por ora, a litigiosidade de massa e/ou predatória.
Ante o exposto, com fundamento no art. 1.035, § 5º, do Código de Processo Civil, determino a suspensão nacional da tramitação de todos os processos judiciais que versem sobre a questão controvertida no Tema nº 1.417 da Repercussão Geral, até o julgamento definitivo deste recurso extraordinário.”
Histórico da discussão
O debate chegou ao STF após a Azul Linhas Aéreas apresentar recurso questionando decisões judiciais que a condenavam ao pagamento de indenizações por atrasos e cancelamentos de voos ocasionados por mau tempo e outras situações inevitáveis.
A empresa alegou que havia forte divergência entre os tribunais: enquanto alguns julgados aplicavam o Código de Defesa do Consumidor, impondo responsabilidade objetiva inclusive em casos de força maior, outros reconheciam a incidência do Código Brasileiro de Aeronáutica, que limita a responsabilização quando o evento é imprevisível ou incontornável.
Segundo a companhia, essa assimetria jurisprudencial gerava insegurança jurídica, aumento expressivo de litígios e favorecia um ambiente de possível litigância predatória, com milhares de ações semelhantes espalhadas pelo país.
Diante desse quadro, o STF reconheceu a repercussão geral do tema e passou a examinar a necessidade de unificar o entendimento nacional, culminando na decisão que determinou a suspensão de todos os processos relacionados ao assunto.
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Fundamentos jurídicos da decisão
Ao determinar a suspensão nacional das ações que discutem indenizações por atrasos, cancelamentos e alterações de voos, o STF estruturou sua decisão em um conjunto de fundamentos que combinam aspectos constitucionais, processuais e sistêmicos.
A Corte destacou, antes de tudo, que o Tema 1.417 trata de uma questão essencialmente constitucional.
É preciso definir se o artigo 178 da Constituição Federal, ao disciplinar o transporte aéreo, garante preferência ao regime do Código Brasileiro de Aeronáutica. Isso seria especialmente relevante em situações de caso fortuito ou força maior.
Por outro lado, também é necessário avaliar se continua valendo a lógica protetiva do Código de Defesa do Consumidor, hoje aplicada de forma ampla pelos tribunais brasileiros.
Essa tensão normativa, segundo o Tribunal, gerou um ambiente de profunda assimetria decisória, com julgados diametralmente opostos em casos idênticos.
Outro ponto enfatizado pelo STF foi o crescimento exponencial da litigiosidade no setor aéreo, cenário que atraiu especial atenção da Corte.
Os dados apresentados pelas empresas e pela Confederação Nacional do Transporte revelaram que o nível de judicialização no Brasil supera em milhares de vezes o observado em outros países com mercado aéreo consolidado, evidenciando um desequilíbrio sistêmico que afeta a previsibilidade regulatória e econômica do setor.
Esse quadro foi agravado, segundo o próprio ministro relator, pela presença de indícios de litigância predatória, com demandas em massa ajuizadas de forma padronizada e, em muitos casos, sem análise específica das circunstâncias que caracterizam a situação de força maior.
A Corte também registrou que a multiplicidade de entendimentos conflitantes, ora aplicando o CDC, ora o CBA, compromete a segurança jurídica e a uniformidade que se espera de um sistema de justiça.
Foi com base nesse conjunto de elementos que o STF concluiu ser necessário empregar o mecanismo previsto no art. 1.035, § 5º, do Código de Processo Civil, autorizando a suspensão nacional de todos os processos relacionados ao tema.
Segundo a Corte, somente a interrupção simultânea desses litígios permitirá que o futuro julgamento do Plenário tenha eficácia plena e produza resultados uniformes, evitando tanto decisões contraditórias quanto distorções decorrentes do acúmulo de ações.
Assim, a fundamentação adotada pelo STF não se limitou a aspectos processuais, mas abordou a necessidade de harmonização do sistema jurídico, a proteção dos consumidores e a preservação de um ambiente regulatório mínimo para o funcionamento do setor aéreo, sinalizando que a decisão final sobre o tema terá impacto estrutural em todo o país.

Reflexos práticos para a advocacia.
A decisão do STF produz efeitos imediatos na atuação da advocacia em demandas que envolvem atraso, cancelamento ou alteração de voos.
O primeiro impacto é a paralisação de todos os processos já em curso. A advocacia precisa, portanto, readequar estratégias processuais, recalcular prazos e ajustar expectativas de desfecho.
Para novas demandas, embora o STF não tenha proibido o ajuizamento, a tramitação também ficará suspensa assim que distribuídas.
Na prática, isso exige um diálogo mais cuidadoso com clientes e consumidores, especialmente quanto à impossibilidade de prosseguimento imediato e ao cenário de incerteza até a fixação da tese de repercussão geral.
Escritórios e departamentos jurídicos devem esclarecer que a discussão não está encerrada, mas temporariamente congelada por determinação constitucional.
Por outro lado, a advocacia empresarial que assessora companhias aéreas ganha espaço para reorganizar sua atuação, centralizar defesas e revisar teses à luz da futura decisão do STF.
Já os advogados de consumidores precisarão reforçar a documentação, demonstrar efetivamente a inexistência de caso fortuito ou força maior e preparar processos para eventual retomada com parâmetros mais restritivos.
Em síntese, a decisão altera substancialmente o ambiente de litígios envolvendo transporte aéreo e impõe à advocacia, de ambos os lados, um reposicionamento estratégico, maior rigor técnico e atuação preventiva enquanto o Supremo não fixa a tese definitiva.
A decisão do STF impede que novas ações sejam ajuizadas?
Não. O STF não proibiu o ajuizamento de novas demandas. O que a decisão determina é a suspensão da tramitação de todas as ações que tratam do tema, inclusive aquelas distribuídas após a decisão.
Portanto, novos processos podem ser propostos, mas não poderão avançar até o julgamento final do Tema 1.417.
O que o STF vai decidir no Tema 1.417?
O Tribunal vai definir qual regime jurídico prevalece nesses casos:
o Código de Defesa do Consumidor, que prevê responsabilidade objetiva, ou
o Código Brasileiro de Aeronáutica, que admite mitigação da responsabilidade quando o evento é inevitável.
A decisão terá efeito vinculante para todos os processos do país.
A decisão prejudica os consumidores?
A decisão não extingue o direito dos consumidores, apenas suspende temporariamente o andamento das ações. Quando o STF fixar a tese, todos os processos retomarão sua tramitação seguindo o entendimento definitivo, garantindo segurança jurídica para ambas as partes.
A suspensão inclui pedidos de danos morais e materiais?
Sim. Toda ação que discuta responsabilidade civil por atraso, cancelamento ou alteração de voo está incluída, independentemente da natureza do dano (material, moral, lucros cessantes etc.).
Como a advocacia deve proceder durante a suspensão?
É recomendável:
comunicar formalmente os clientes,
aguardar o andamento do STF,
não realizar atos processuais desnecessários, que serão automaticamente desconsiderados.
Quando o STF deve julgar o tema?
Não há data definida. O julgamento depende da inclusão em pauta pelo presidente do STF. Até que isso ocorra, a suspensão permanece válida em todo território nacional.





