A Lei nº 14.905/2024 trouxe importantes mudanças nas regras de correção monetária e juros para débitos judiciais e contratuais no Brasil.
Neste texto, vamos explorar como funcionava a atualização das dívidas cíveis antes da lei, as novas regras estabelecidas e os impactos práticos para advogados e seus clientes.
Como era a atualização das dívidas cíveis antes da Lei nº 14.905/2024?
Antes da Lei nº 14.905/2024, a atualização das dívidas cíveis enfrentava problemas de falta de uniformidade e segurança jurídica.
Não havia um índice padronizado, e os tribunais frequentemente aplicavam diferentes referências, como:
- INPC/IBGE (índice nacional de preços ao consumidor);
- IGP-M/FGV (indicador usado em contratos específicos, como aluguel);
- IPCA-E/IBGE (usado em alguns casos judiciais para correção).
Essas diferenças resultavam em insegurança para credores e devedores, além de prolongar disputas judiciais sobre qual seria o índice mais adequado.
Ademais, havia uma discussão sobre os juros aplicáveis: se seriam de 1% ao mês (juros de mora tradicionais) ou a Taxa SELIC, usada em obrigações fiscais.
O que diz a Lei nº 14.905/2024?
A Lei nº 14.905/2024 visa padronizar a atualização monetária e os juros nas dívidas cíveis, garantindo mais previsibilidade e segurança jurídica.
As principais mudanças incluem:
Fixação do uso do índice IPCA/IBGE na hipótese de inadimplemento das obrigações
A primeira grande mudança estabelecida pela lei foi o acréscimo de um parágrafo único no artigo 389 do Código Civil (CC).
Agora, na falta de previsão contratual expressa, o índice IPCA/IBGE será utilizado como padrão para atualização monetária.
Esse índice reflete a inflação acumulada e é amplamente reconhecido como uma medida confiável do poder aquisitivo.
Por conta desse acréscimo, os artigos 395, 404, 418 e 772 do CC, que permitiam o uso de índices oficiais regularmente estabelecidos, ganharam nova redação, retirando essa previsão legal.
Assim, o índice IPCA/IBGE torna-se o padrão. Confira as redações antigas e atuais dos respectivos artigos::
“Art. 389, CC, REVOGADO. Não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos, mais juros e atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado.
Art. 389, CC, NOVA REDAÇÃO. Não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos, mais juros, atualização monetária e honorários de advogado.
Parágrafo único. Na hipótese de o índice de atualização monetária não ter sido convencionado ou não estar previsto em lei específica, será aplicada a variação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), apurado e divulgado pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), ou do índice que vier a substituí-lo.”
“Art. 395, CC, REVOGADO. Responde o devedor pelos prejuízos a que sua mora der causa, mais juros, atualização dos valores monetários segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado.
Art. 395, CC, NOVA REDAÇÃO. Responde o devedor pelos prejuízos a que sua mora der causa, mais juros, atualização dos valores monetários e honorários de advogado.”
“Art. 404, CC, REVOGADO. As perdas e danos, nas obrigações de pagamento em dinheiro, serão pagas com atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, abrangendo juros, custas e honorários de advogado, sem prejuízo da pena convencional.
Art. 404, CC, NOVA REDAÇÃO. As perdas e danos, nas obrigações de pagamento em dinheiro, serão pagas com atualização monetária, juros, custas e honorários de advogado, sem prejuízo da pena convencional.”
“Art. 418, CC, REVOGADO. Se a parte que deu as arras não executar o contrato, poderá a outra tê-lo por desfeito, retendo-as; se a inexecução for de quem recebeu as arras, poderá quem as deu haver o contrato por desfeito, e exigir sua devolução mais o equivalente, com atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, juros e honorários de advogado.
Art. 418, CC, NOVA REDAÇÃO. Na hipótese de inexecução do contrato, se esta se der:
II – por parte de quem recebeu as arras, poderá quem as deu haver o contrato por desfeito e exigir a sua devolução mais o equivalente, com atualização monetária, juros e honorários de advogado.”
“Art. 772, CC, REVOGADO. A mora do segurador em pagar o sinistro obriga à atualização monetária da indenização devida segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, sem prejuízo dos juros moratórios.
Art. 772, CC, NOVA REDAÇÃO. A mora do segurador em pagar o sinistro obriga à atualização monetária da indenização devida, sem prejuízo dos juros moratórios.”

Fixação de taxa legal para cálculo de juros
A Lei nº 14.905/2024 também modificou o art. 406 do CC.
Agora, na ausência de estipulação contratual, os juros moratórios serão calculados com base na Taxa SELIC, deduzindo-se o IPCA do mesmo período.
A nova regra também se aplica nos casos previstos em lei ou quando os juros forem convencionados sem estipular uma taxa.
Ademais, ficou estabelecido que a metodologia de cálculo e a sua aplicação serão definidas pelo Conselho Monetário Nacional e, caso a taxa legal apresente resultado negativo, este será considerado igual a zero.
Com a modificação do art. 406, os arts. 591 e 1.336 também sofreram alterações para garantir a aplicação da nova taxa legal de juros.
Vejamos:
“Art. 406, CC. Quando não forem convencionados, ou quando o forem sem taxa estipulada, ou quando provierem de determinação da lei, os juros serão fixados de acordo com a taxa legal.
§ 1º A taxa legal corresponderá à taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (Selic), deduzido o índice de atualização monetária de que trata o parágrafo único do art. 389 deste Código.
§ 2º A metodologia de cálculo da taxa legal e sua forma de aplicação serão definidas pelo Conselho Monetário Nacional e divulgadas pelo Banco Central do Brasil.
§ 3º Caso a taxa legal apresente resultado negativo, este será considerado igual a 0 (zero) para efeito de cálculo dos juros no período de referência.”
“Art. 591, CC, REVOGADO. Destinando-se o mútuo a fins econômicos, presumem-se devidos juros, os quais, sob pena de redução, não poderão exceder a taxa a que se refere o art. 406 , permitida a capitalização anual.
Art. 591, CC, NOVA REDAÇÃO. Destinando-se o mútuo a fins econômicos, presumem-se devidos juros.
Parágrafo único. Se a taxa de juros não for pactuada, aplica-se a taxa legal prevista no art. 406 deste Código. “
“Art. 1.336, CC, REVOGADO. São deveres do condômino:
§ 1º O condômino que não pagar a sua contribuição ficará sujeito aos juros moratórios convencionados ou, não sendo previstos, os de um por cento ao mês e multa de até dois por cento sobre o débito.
Art. 1.336, CC, NOVA REDAÇÃO. São deveres do condômino:
§ 1º O condômino que não pagar a sua contribuição ficará sujeito à correção monetária e aos juros moratórios convencionados ou, não sendo previstos, aos juros estabelecidos no art. 406 deste Código, bem como à multa de até 2% (dois por cento) sobre o débito.”
É importante ressaltar que o art. 4º da Lei nº14.905/2024 dispõe que o Banco Central será responsável por disponibilizar uma aplicação interativa para simulação da taxa legal de juros.
Exceções ao Decreto nº 22.626, que dispõe sobre juros nos contratos
A Lei nº 14.905/2024 indica, em seu art. 3º, que o Decreto nº 22.626/1933 que dispõe sobre os juros nos contratos, não se aplica a alguns casos específicos.
Confira cada um deles:
“Art. 3º, Lei nº 14. 905/2024. Não se aplica o disposto no Decreto nº 22.626, de 7 de abril de 1933, às obrigações:
I – contratadas entre pessoas jurídicas;
II – representadas por títulos de crédito ou valores mobiliários;
III – contraídas perante:
a) instituições financeiras e demais instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil;
b) fundos ou clubes de investimento;
c) sociedades de arrendamento mercantil e empresas simples de crédito;
d) organizações da sociedade civil de interesse público de que trata a Lei nº 9.790, de 23 de março de 1999, que se dedicam à concessão de crédito; ou
IV – realizadas nos mercados financeiro, de capitais ou de valores mobiliários.”
Com isso, fica permitida a cobrança de juros compostos e taxas superiores ao limite antes imposto, garantindo maior liberdade para negociações contratuais em contextos empresariais.
Mudanças que trazem previsibilidade
A Lei nº 14.905/2024 representa um avanço significativo para o sistema jurídico brasileiro, proporcionando mais segurança e previsibilidade nas relações contratuais e judiciais.
Ao padronizar a atualização monetária e os juros, a nova legislação reduz incertezas e estimula negociações mais equilibradas entre as partes.
Para os advogados, é essencial compreender essas mudanças e orientar seus clientes de maneira estratégica, garantindo o cumprimento das novas regras e prevenindo litígios.