Com a crescente digitalização da sociedade, o ambiente virtual tornou-se palco de interações sociais, comerciais e políticas que exigem regulamentações específicas.
Nesse cenário, o Marco Civil da Internet se destaca como uma das principais normas que estruturam direitos, deveres e responsabilidades no uso da rede.
Neste artigo apresentamos os pontos centrais da Lei n° 12.965/2014, suas jurisprudências mais relevantes e os impactos práticos dessa norma para advogados que atuam no contencioso digital .
O que é o Marco Civil da Internet?
O Marco Civil da Internet, instituído pela Lei nº 12.965/2014, é a legislação que estabelece os princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da internet no Brasil.
Trata-se de um marco normativo que passou a regular especificamente o ambiente digital, suprindo lacunas anteriormente tratadas apenas com base na Constituição Federal, especialmente em temas como privacidade e proteção de dados pessoais.
Qual é a função do Marco Civil da Internet?
O Marco Civil da Internet surgiu da necessidade de regulamentar o ambiente digital, promovendo segurança jurídica e garantindo direitos fundamentais dos usuários.
Assim, a norma funciona como uma espécie de “Constituição da Internet”, ao definir diretrizes para atuação de usuários, provedores e do próprio Estado, especialmente no que diz respeito à privacidade, à neutralidade da rede e à liberdade de expressão online.
Quem sancionou o Marco Civil da Internet?
O Marco Civil da Internet foi sancionado pela então presidente Dilma Rousseff no dia 23 de abril de 2014, durante o evento internacional NetMundial, realizado em São Paulo.
A escolha da data e do contexto não foi aleatória: tratava-se de um momento em que o Brasil buscava se afirmar como protagonista na construção de uma governança global da internet.
Principais conceitos do Marco Civil da Internet
A própria Lei n° 12.965/2014 traz definições importantes para a interpretação de seus dispositivos. Entre os principais conceitos, destacamos:
- Internet: sistema mundial de protocolos estruturados para possibilitar a comunicação de dados entre redes.
- Provedor de conexão: empresa que oferece acesso à internet ao usuário final.
- Provedor de aplicações: entidade que disponibiliza conteúdos ou serviços online, como redes sociais, plataformas de vídeo, e-commerce, entre outros.
- Registros de conexão: informações que indicam data, hora e duração das conexões à internet de um determinado terminal.
- Registros de acesso a aplicações: dados que apontam quando e por quanto tempo um usuário acessou determinado serviço ou plataforma na internet.
Fundamentos, direitos e garantias do Marco Civil da Internet
A Lei nº 12.965/2014 também estabelece, nos seus primeiros artigos, as bases para o uso da internet no Brasil.
Esses dispositivos se dividem em três partes principais: fundamentos, princípios e garantias aos usuários.
Fundamentos (Art. 2º)
Refletem valores constitucionais aplicados ao meio digital:
- Respeito à liberdade de expressão;
- Reconhecimento da natureza global da internet;
- Promoção dos direitos humanos e do desenvolvimento da personalidade;
- Estímulo ao exercício da cidadania em meios digitais;
- Pluralidade e diversidade;
- Abertura e colaboração na rede;
- Livre iniciativa e livre concorrência;
- Defesa do consumidor;
- Finalidade social da rede.
Confira o infográfico para você conseguir visualizar melhor esses fundamentos:

Princípios (Art. 3º)
Diretrizes que orientam a interpretação e aplicação da lei:
- Garantia da liberdade de expressão, comunicação e manifestação do pensamento;
- Proteção da privacidade e dos dados pessoais;
- Preservação e garantia da neutralidade da rede;
- Estabilidade, segurança e funcionalidade da internet;
- Responsabilização dos agentes pelos atos praticados;
- Preservação da natureza participativa da rede;
- Liberdade dos modelos de negócios online, desde que respeitem os demais princípios.
Direitos e garantias dos usuários (Art. 7º)
Direitos assegurados a quem utiliza a internet no Brasil:
- Inviolabilidade da intimidade e da vida privada, com direito à indenização por danos materiais ou morais;
- Sigilo do fluxo de comunicações na internet, salvo por ordem judicial;
- Sigilo das comunicações privadas armazenadas, como e-mails;
- Proibição de suspensão da conexão por inadimplemento de serviços;
- Manutenção da qualidade contratada da conexão;
- Contratos com informações claras e completas;
- Não fornecimento de dados a terceiros sem consentimento ou previsão legal;
- Justificativa para coleta, uso, armazenamento e exclusão de dados;
- Termos de uso com linguagem clara, de fácil acesso ao usuário;
- Acessibilidade para pessoas com deficiências físicas, sensoriais ou perceptivas;
- Aplicação do Código de Defesa do Consumidor às relações de consumo pela internet

Art. 19 do Marco Civil e a Responsabilidade das Plataformas Digitais
Atualmente um dos pontos mais debatidos no STF é o conteúdo do Art. 19, Lei nº 12.965/2014, que trata da responsabilidade civil de provedores de aplicação por danos decorrentes de conteúdos gerados por terceiros.
“Art. 19, Lei nº 12.965/2014- Com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura, o provedor de aplicações de internet somente poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente, ressalvadas as disposições legais em contrário.”
O artigo dispõe que as plataformas só podem ser responsabilizadas caso não retirem o conteúdo após ordem judicial específica.
Ou seja, não há responsabilidade objetiva ou solidária, a responsabilização depende do descumprimento de decisão judicial.
Esse dispositivo tem sido questionado quanto à sua constitucionalidade, especialmente diante de casos que envolvem discurso de ódio, desinformação e violação de direitos fundamentais.
A discussão sobre o artigo 19 tem relação direta com a possível regulamentação das plataformas digitais, e envolve temas complexos como:
- A moderação de conteúdos sensíveis sem necessidade de intervenção judicial;
- A responsabilidade proativa das plataformas diante de danos previsíveis;
- A preservação do debate público livre, sem comprometer direitos fundamentais.
O entendimento final do STF nesse tema poderá redesenhar os limites jurídicos da atuação das plataformas no Brasil, impactando diretamente a advocacia digital, o contencioso cível e os direitos fundamentais no ambiente virtual.

Qual a diferença entre LGPD e Marco Civil da Internet?
Apesar de tratarem de temas semelhantes, o Marco Civil da Internet (Lei n° 12.965/2014) e a LGPD (Lei nº 13.709/2018) possuem finalidades distintas e abordam aspectos complementares da regulação no ambiente digital.
Finalidade
Marco Civil da Internet: Tem como objetivo estabelecer princípios, direitos e deveres para o uso da internet no Brasil. Funciona como uma espécie de estatuto geral da internet.
LGPD: É uma legislação específica sobre o tratamento de dados pessoais, aplicável tanto no meio digital quanto no físico.
Proteção de dados pessoais
Marco Civil da Internet: Apresenta dispositivos sobre privacidade e proteção de dados (como o Art. 7º), mas com uma abordagem mais genérica.
LGPD: Regulamenta de forma detalhada o tratamento de dados pessoais, criando obrigações como:
– Obtenção de consentimento
– Fundamentação legal para o tratamento
– Direitos dos titulares (acesso, correção, exclusão etc.)
– Obrigação de segurança e transparência
Responsabilização
Marco Civil da Internet: A responsabilidade dos provedores de aplicação por conteúdo de terceiros ocorre somente em caso de descumprimento de ordem judicial (Art. 19). Isso significa que a plataforma não responde automaticamente por danos causados por usuários.
LGPD: A responsabilidade pelo tratamento inadequado de dados pessoais pode ocorrer independentemente de decisão judicial, sendo previstas sanções administrativas diretas pela ANPD, além de ações judiciais individuais.
Aplicabilidade
Marco Civil da Internet: Aplica-se especificamente ao uso da internet.
LGPD: Aplica-se a qualquer operação de tratamento de dados pessoais, seja no meio digital ou físico, por pessoas físicas ou jurídicas, públicas ou privadas.
O papel do DPO (Encarregado de Dados) segundo a LGPD no contexto do Direito Digital
Entendimentos e Jurisprudências sobre a Lei nº 12.965/2014
A interpretação do Marco Civil da Internet (Lei 12.965/2014) pelo Judiciário brasileiro tem evoluído, consolidando entendimentos importantes sobre os limites da responsabilidade civil, o papel dos provedores e a proteção de direitos fundamentais como a liberdade de expressão e a dignidade humana.
A seguir, destacamos as decisões relevantes que refletem essas tendências:
Bloqueio de perfis em redes sociais e o limite da liberdade de expressão
O Supremo Tribunal Federal reafirmou que a liberdade de expressão não é absoluta e pode ser restringida diante de abusos que atentem contra a ordem democrática ou incentivem o ódio.
“A liberdade de expressão é consagrada constitucionalmente e balizada pelo binômio liberdade e responsabilidade, ou seja, o exercício desse direito não pode ser utilizado como verdadeiro escudo protetivo para a prática de atividades ilícitas. (…) Uma vez desvirtuado criminosamente o exercício da liberdade de expressão, a Constituição Federal e a legislação autorizam medidas repressivas civis e penais, tanto de natureza cautelar quanto definitivas.”
— STF, PET 10373 AGR-QUINTO, Rel. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 14/11/2022, publicado em 08/03/2023
Dica prática: O Marco Civil deve ser interpretado à luz da Constituição. Quando o discurso extrapola os limites legais, há respaldo para medidas restritivas, inclusive o bloqueio de perfis.
Responsabilidade do provedor de aplicação por conteúdo ofensivo: necessidade de ordem judicial
O TJDFT reafirmou que, em regra, o provedor só pode ser responsabilizado civilmente se descumprir uma ordem judicial de remoção de conteúdo.
“O regramento normativo (art. 19 da Lei 12.965/2014) estabelece que a responsabilidade civil do provedor de aplicação é subjetiva, advinda do não cumprimento de decisão judicial (…). Somente se instado judicialmente a realizar a retirada de dados/informações da rede social, considerados violadores de direitos, e ainda assim não tomadas as providências necessárias para torná-los indisponíveis, é que deverá responder civilmente pelo conteúdo criado por terceiros.”
— TJDFT, 07192146920218070020, Rel. Des. Fabrício Fontoura Bezerra, 7ª Turma Cível, julgado em 13/07/2022
Dica prática: Ao lidar com conteúdos lesivos em plataformas digitais, é indispensável acionar o Judiciário antes de exigir responsabilidade do provedor.
Divulgação de dados pessoais com conteúdo sexual: limites do art. 19 do Marco Civil
O STJ entendeu que, mesmo em casos graves como associação indevida de dados pessoais a conteúdo sexual, a responsabilidade do provedor segue sendo condicionada à ordem judicial.
“A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça está amplamente consolidada no sentido de afirmar que a responsabilidade dos provedores (…) é subjetiva e solidária, somente nas hipóteses em que, após ordem judicial, negar ou retardar indevidamente a retirada do conteúdo. (…) A motivação do conteúdo divulgado de forma indevida é indiferente para a incidência do art. 19.”
— STJ, REsp 1993896/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 17/05/2022
Dica prática: Mesmo conteúdos de alto teor ofensivo, como pornografia de vingança, exigem prévia decisão judicial para responsabilização do provedor.
Conteúdo ofensivo envolvendo menor de idade: exceção à regra da ordem judicial
Neste caso, o STJ entendeu que a proteção da criança e do adolescente tem prevalência sobre a regra geral do art. 19, permitindo a responsabilização direta do provedor mesmo sem ordem judicial prévia.
“Para atender ao princípio da proteção integral consagrado no direito infantojuvenil, é dever do provedor de aplicação na Internet proceder à retirada de conteúdo envolvendo menor de idade (…) independentemente de ordem judicial. (…) A responsabilidade civil deve ser analisada sob o enfoque da relevante omissão de sua conduta (…). A aplicação isolada do art. 19 da Lei 12.965/2014 é insuficiente.”
— STJ, REsp 1783269/MG, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, julgado em 14/12/2021
Dica prática: Quando envolvem menores de idade, conteúdos ofensivos devem ser removidos imediatamente após notificação, sem necessidade de ordem judicial. A omissão do provedor configura responsabilidade civil direta.
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O que é Marco Civil da Internet?
É a Lei nº 12.965/2014, que estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da internet no Brasil. Funciona como uma “Constituição da Internet”, regulando temas como liberdade de expressão, privacidade, neutralidade da rede e responsabilidade dos provedores.
O que é o Projeto de Lei do Marco Civil da Internet?
O projeto de lei foi a proposta legislativa que deu origem ao Marco Civil, aprovado em 2014. Dessa forma, a Lei n° 12.695/14 nasceu após amplo debate público, com participação da sociedade civil, especialistas e organizações, e visava criar uma norma geral para o uso da internet no país.
Quais são as quatro regras do Marco Civil da Internet?
Não há uma divisão oficial em “quatro regras”, mas os pilares mais recorrentes da lei são:
–Liberdade de expressão
–Proteção à privacidade e aos dados pessoais
–Neutralidade da rede
–Responsabilidade limitada dos provedores
Qual a diferença entre LGPD e Marco Civil da Internet?
O Marco Civil regula o uso da internet de forma ampla, enquanto a LGPD trata especificamente do tratamento de dados pessoais, tanto online quanto offline. A LGPD é mais detalhada, impõe obrigações técnicas, e prevê sanções administrativas pela ANPD, independentemente de ordem judicial.
Qual é a função do Marco Civil da Internet?
Estabelecer um conjunto de regras claras para garantir os direitos dos usuários, a segurança jurídica, a liberdade de expressão e a neutralidade da rede, além de definir deveres para usuários, provedores e o Estado.
Quais são os 5 exemplos de liberdade de expressão?
Embora o Marco Civil não traga uma lista, podemos citar como exemplos:
-Opinar nas redes sociais
-Publicar conteúdos em blogs ou vídeos
-Participar de fóruns online
-Criticar políticas públicas ou figuras públicas
-Criar conteúdo jornalístico independente
Obs: Todos esses exemplos devem respeitar os limites legais, como não incitar ódio, violência ou discriminação.
Quem sancionou o Marco Civil da Internet?
A presidente Dilma Rousseff sancionou o Marco Civil da Internet em 23 de abril de 2014.
Para que serve o Marco Civil da Internet?
Serve para garantir que o ambiente digital brasileiro seja regido por regras claras, assegurando direitos fundamentais, transparência nas relações digitais e equilíbrio entre liberdade e responsabilidade online.